sexta-feira, 11 de abril de 2014

Eu não queria...

Eu não queria escrever! não hoje, não assim, não nesta metade de mim. Mas não tem jeito, as horas passam, os dedos ardem, a mente vai. E enquanto a madrugada galopa lá fora e dança a crina na neblina, meus olhos dos sonhos retornam e clareiam os vãos da casa nesta incessante busca de algo que não sei. Eu não queria escrever desta maneira, sentindo no peito uma lareira, como uma clareira na mata, de um céu rarefeito de estrelas. Minha alma anda sem canto, num querer absurdo muito além do querer. Anda assim desfiada, desfeita, destroçada, então, tento conter os fios que vão, mas a ventania vai mais e mais afastando minhas noites dos dias e eu, pairo no limiar de tudo isso e olho, olho apenas!
Arrancar o coração do peito quiça fosse remédio, mas poeta é coisa exagerada, e brinca de verdades por entre palavras que vão assim criando estradas e nos percorrem tudo, correm pela pele, mente, alma é um absurdo! Então não adianta arrancar o coração! Poeta sente por todos os poros, pelas árvores, pelo mar...não tem como escapar!
É, eu não queria escrever hoje! mas aquela lágrima que engoli ontem, flagrada num silêncio de questões, aproveitou meu rápido sono e cresceu em marés, acordei maremoto e agora não consigo segurar. E neste gerar de inexistência é que eu existo! nesta tênue linha entre fantasia e fantasia. Existo e insisto em algo que não se toca, não se vê, quem sabe jamais existi além da minha insuperável imaginação. Serei eu um conto dentro do meu próprio conto? Ou nem isso, quem sabe eu tenha sido e ainda seja apenas uma frase qualquer, uma palavra só...esquecida num bloco de desejos invisíveis e momentos vãos. Não sei, mas definitivamente eu não queria escrever hoje!
Eu não deveria me ver parte, nem me deixar ser vista pedaço, quando sou todo o inteiro de um abraço, toda a completude de um beijo ou a imensa totalidade indivisível de um inteiro!
Mas a poesia dói de forma inescrupulosa, beirando a crueldade das horas, rasteiras e quietas como o esquecimento ao qual fui renegada. E assim de forma inesperada, vasculho ainda só os tons em busca de algo que faça sentido para mim. Neste acontecer sem amarras, sem lapidadas palavras, sem cuidado. Ando ainda sentindo um frio gigantesco abraçado a uma inquieta sensação de sem lugar!
Hoje eu não queria escrever, queria apenas olhar o mar, mas até ele hoje está tão longe, tão irremediavelmente longe quanto eu mesma. Então vim buscar o sal que em alguns dias me cura, neste rio de palavras que escorre sem rumo, sem prumo e sem razão de ser. Busco num buscar-me o que deveria ser buscar-te, mas é tarde demais, tarde demais! O que deveria ter sido não foi, o que deveria ter sido dito não foi, o que deveria ter sido sentido não foi e tudo desmorona. Cai vertiginosamente como caem essas palavras e a lágrima que ontem não deixei cair. Não se deve segurar lágrima! elas indubitavelmente crescem quando enclausuradas.
Enfim, eu não queria ter escrito hoje, mas talvez quem tenha escrito nem seja mesmo eu, apenas um resto de mim, com o peito vazio de um coração ausente, com o corpo petrificado no gelo de um adeus silente, com olhos de cristais, mãos engessadas, boca costurada por fios de cobre, é, definitivamente quem escreve não sou eu...
Já disseram que poeta não chora, pois poeta já é toda a lágrima do universo. Mas há dias em que todas as lágrimas se unem numa única e viram mar, então mesmo que poeta não chore, ele não resiste e navega para dentro de si mesmo, numa terrível calmaria de silêncios infinitos que só se calam quando cantam os ventos uivantes das palavras não ditas!

Márcia Poesia de Sá.

4 comentários:

  1. Que delícia de texto. O lirismo que exala é independente de quereres, é inato da autora.

    Beijos.

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    1. Ter como leitor o Dr. Poesia...é uma alegria imensa, muito obrigada pela generosidade, visita e palavras Celso. Forte abraço!

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  2. Arepiei... simplesmente Lindo... Imagina se estivesse por inteira...

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  3. Muito obrigada meu querido! feliz demais de vê-lo aqui. Beijos.

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