domingo, 28 de agosto de 2016

Navegar
Ela simplesmente entrou no barco frágil, sem remos e sem velas e partiu. Assim, sem explicações, sem frases escritas em bilhetes pela casa e sem despedidas. O céu estava cinza e o dia mais parecia namorar a noite. A água que levava aquele barco estava calma, reflexos de gordas nuvens dançavam na mansa marola que soprava como se houvesse uma música triste tocando ao fundo da paisagem, mas na verdade só havia um silêncio que a ensurdecia.
Alguém regia um abismo por entre aquelas árvores ao longe. Ele, de pé, agarrava os ferros da ponte como se implorasse para que eles movessem-se e a fossem buscar, estático instante onde seu casaco preto era a unica pele que ele sentia como sua, o corpo atônito não compreendia os porquês.
Sua boca silenciava o amargor da saudade dos beijos, suas mãos trêmulas jamais esqueceriam aqueles toques, ele era um ponto preto na paisagem, e ela sumia no horizonte mais uma vez.
Aquele homem soltou os ferros, e em passos mais que lentos seguiu seu trajeto absolutamente perdido de tudo, na cabeça aquele manto prateado brilhava em flaches de tantas histórias que agora mais pareciam apenas papiros abandonados ao acaso.
Ele caminhava ao labirinto, pegou o primeiro táxi que passou e disse com uma voz abafada: tire-me daqui.
Seus olhos perdidos na distância de si e de tudo, apenas contavam postes que passavam sem luz.
E nesta manhã não choveu e nem fez sol. Era tudo da mesma cor, desbotada e embranquecida. Lá no barco que seguia, só uma lágrima caiu..
Márcia Poesia de Sá.
Vamos buscar do mundo a solidão do tempo?
e dela arrancar os frutos quase amadurecidos
desta existência espúria...
...e enquanto isto,
desejo-lhes Poesia...
penso que só ela nos salvará
desta morte infinita.
Tu nem sabes.
Tens atracados em teus olhos,
quando doces, cargueiros inteiros abarrotados
de armas que fazem fenecer meus medos, 
só não o sabes...
Tens na ternura da tuas mãos, quando mornamente tocas-me, as setas todas que apontam as minhas direções,
quando sinto-me confusa e perdida,
só não o sabes...
Tens na tua voz, quando branda, a mais bela sinfonia que sempre me embala em sonhos encantados,
só não o sabes...
Tens na calma que tua alma e voz embalam, a clareza do que busco por entre névoas ainda,
mas só não sabes...
Assim como não sabes que teu beijo
é como uma brisa mágica, que envolve-me em rodopios,
tirando-me completamente do calafrio
que é o temor do amanhã,
e fazendo-me pousar tranquila nas linhas do para sempre,
com olhos em horizontes imaginários
por onde percorrem garças brancas,
pena que não sabes...
que teu abraço, ah...este teu abraço
que unindo os nossos corações com laços,
abre os portais do aconchego e lá adormeço,
sonho com águas transparentes,
com golfinhos e sereias,
mastigo estrelas doces e tantas coisas mais,
mas tu ainda não sabes,
Como ainda não sabes das tantas coisas que me provocas,
quando simplesmente te abandonas
observando este pôr do sol
que ainda não sei.
Márcia Poesia de Sá.
Interessante nossas memórias olfativas. Há pouco eu estava na cozinha pensando no que faria para mim para o café, e decidi fazer uma papa de aveia, na verdade brinco que minha papa de aveia na verdade é papa de canela com aveia, amo canela e sempre exagero...
enfim, preparei e ao pulverizar mais canela por cima, aquele perfume me adentrou as narinas, o cérebro a a alma, algo na canela tem de fato este poder em mim. Voltei anos e anos, possivelmente eu tinha dez anos, não sei ao certo, mas numa fração de segundos cavalgava pela estrada da granja a caminho da casa de umas amiguinhas que moravam bem distante daqui, senti o cheiro da mata que em alguns pontos quase fecha a estrada, o vento nos cabelos e o pelo do animal roçando minhas pernas, a crina muito marrom a voar, vi também, enfim, cheguei, abri a porteira e entrei. Sim, neste tempo de minha infância não nos preocupávamos com cadeados...
Encontrei-as já descendo para o rio que corria atrás da casa e tinha a transparência dos bons pensamentos, senti todos os cheiros e sons daquele lugar que eu gostava tanto de estar, a água muito fria, o cheiro de bolo de milho, e os gritos do papagaio, ouvi também... enfim, foi uma boa viagem ao passado. Voltei para finalmente tomar café e meus cabelos ainda estão molhados do mergulho que dei. Saudades com cheirinho de canela...
Márcia Poesia de Sá.