quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O tempo importa 
e não importa...
eu irei ao teu encontro!

E os teus olhos serão minha única passagem
neste voo, 
só as nossas asas
ficarão

c (aladas)

Márcia Poesia de Sá.
Labirinto

E o vento
me conta coisas...

E me pego a inventar teu abraço
a criar tuas mãos,
pintar teus olhos,
esculpir teu corpo
assim, pouco a pouco

imploro nossa arte!
que em meu corpo, arde!

Mas a noite é cruel
escurece o pincel
quebra o formão
arranca-me a ilusão

E se a chuva vem fininha
passando lentamente por mim
imagino teu perfume
que inunda minhas terras

Mas a noite é feroz
e amanhece!
só para me mostrar
que foi um sonho.
Onde de real
nada reponho...

No meu peito ainda sinto
o som do teu peito
e eu?
labirinto.

Márcia Poesia de Sá - 2014
O penhasco

Era manhã de uma quinta feira comum, de um mês sem feriados e de um ano sem qualquer alarde de festa, nada de importante mesmo! que ele se sentava na mureta da manhã e observava um desfiladeiro. O vento da manhã era insistente e tocava violinos numa cadência abstrata e dolorosa. Na alma ensanguentada, ele já nada sentia além da brisa fria que lhe cortava todos os outros sentimentos como um picadinho de carne mole. Quiçá existisse ali por perto uma matilha de lobos famintos, ah esta sim! seria uma morte digna para um ser em frangalhos como ele, mas não havia lobos, nem raposas e nem mesmo aves agourentas como os urubus.Era só ele, o som que ecoava em sua mente, o vento, a dor e o desfiladeiro.
Energúmeno que era ousou acreditar em utopias, e por longos anos, a sua incauta crença o fez construir verdadeiros monumentos sem observa-lhes as estruturas do solo no qual construía, e sua indefectível sorte o levou ao mais fingido dos mangues, onde uma fina camada de areia de praia e alguns capins frágeis e finos lhes davam um ar de porto seguro. Tão inseguro como as terras onde os terremotos fazem lar e de onde os olhos puxados morrem e renascem incessantemente! Mas nem isto ele teve sorte! não era como eles oriental, era um latino idiota, cheio de paixões e medos, repleto de contos de fadas onde tudo termina sempre lindamente no final e depois do desmoronamento só lhe restou isso mesmo: Um amontoado de folhas escritas de tantas coisas que já não faziam mais sentido nenhum.
Então, absolutamente desorientado, juntou suas folhas inúteis, um fósforo, duas garrafas de vinho tinto e encaminhou-se ao desfiladeiro. Lá o céu nem o notara, ele era tão ínfimo quanto se sentia naquele instante, quase tão pequeno quanto o grão de areia de uma imensa duna, ou uma bactéria qualquer em cujo corpo devidamente vacinado, espera a morte ha qualquer momento. Ele e seu vazio incalculável era só o que lhe restava naquela manhã.
Deixou-se ficar ali sentado, olhando as distâncias que o distanciavam de si mesmo, vendo aqui e acolá um pássaro que voava e trazia a sua memórias os outros tantos voos que fez e que da mesma forma sempre o levaram ao mais profundo chão de suas dores, tentava compreender sua sina, culpava-se ferrenhamente por sua inabilidade, por seu coração imbecil que insistia em acreditar em nuvens de gás, e explodia no peito todas as suas asneiras e facadas de ideias.
E o dia foi indo, e ele foi indo, e tudo foi indo, num embora sem fim, quando o frio começou a doer-lhe os ossos. Sua mente já não lhe servia de mais nada, era só um lugar vazio. Mas ainda lhe restava aqueles poucos e dolorosos papeis de mentiras, ajuntou-as num canto onde o vento era ameno e acendeu sua primeira página, dela escorreu um amor insano num caldo rubro e beirando o violento, que o fez estagnar a lágrima que quase caia nesta hora, olhou-o apenas escorrer enquanto ele agarrava em chamas todas as outras páginas, sentou-se então como um Buda em sua frente e sentindo o calor, ultimo calor ao qual se permitiria pelo resto da sua vida, viu ali virarem cinzas suas hipocrisias, seus desejos, doces lampejos e sonhos idiotas. E assim a noite o abraçou, quando as chamas finalmente apagaram-se.
A noite era uma noite escura sem estrelas no céu, nuvens de uma torrencial chuva se avizinhavam, e uma lua com o rosto branco e irônico o fitava com desdém.
Deitou no chão, como se assim pudesse só ser o que já se sentia internamente, apenas um caminho abandonado por onde não passa mais nada e nem ninguém, fitou o céu por horas e horas a fio, na mente nada, no peito dor, mas mãos só suas próprias mãos que entrelaçadas no peito até pareciam rezar, mas nem isto! ele não acreditava em Deuses, e nem em anjos, e nem em mais nada que o pudesse adoçar sua letargia amarga e visceral. Ficou ali por toda uma eternidade, ninguém o encontrou e nem a seus ossos que simplesmente ficaram jogados na areia quando suas roupas foram dilaceradas pelo sol e chuva do tempo. Morreu enfim, como viveu, plantado num penhasco olhando um céu inexistente e digerindo as mais profundas dores que só um sonhador é capaz de sentir.

Márcia Poesia de Sá - 2014.
Um nada

E as horas vão passando assim lentamente, numa lentidão tão maior que antes, as madrugadas parecem décadas completas, a balançarem ao sabor do vento. No momento, lá fora, chove, e o som da chuva na mata sempre me pareceu lindo, hoje não está. Como também não está linda aquela lua ali acima escondida entre uma nuvem e outra, não está lindo o prateado dançando nas folhas, nada está lindo, hoje nada está!

Nada está,vai ver seja por eu não estar! e definitivamente não estou...Sinto-me um eco, percorrendo a solidão da noite como uma ave perdida, sem direção, sem desejo de voar e mesmo assim no ar. Asas abrindo-se e movimentando-se apenas para não despencar, automaticamente. Eu não quero nada, não ha desejo, nem cheiro e nem tempero de vida, não ha beleza e nem rimas, não quero ler nada! nem ver nada, só me abandono nesta intrínseca falta de interesses, neste silêncio mentolado, que ao fim da noite amarga na língua e na garganta.

Não quero escrever! este texto está um lixo. Chato e cansativo, deprimente! as linhas não se fecham, os braços não enlaçam, o mundo está feio e sem sal. Acho que a poesia apodreceu, as rimas ficaram velhas e foram morrendo uma a uma nos asilos, igualmente vazios e mofados e cheios de infiltrações como a poesia. Nas ruas que a esta hora sem carros, matam de silêncio, atropelando visceralmente a madrugada não ha escolhas e nem semáforos.

Nas tabernas, nos goles engasgados morrem também os risos que se foram, os olhares que não olham e os que nada veem, morreu o padre daquela igreja, a única da região! e os fiéis apenas caminham perdidos pelas ladeiras sem fim, uns descem outros sobrem mas nenhum tem direção, nem sabem aonde vão, nem se querem ir.
Não sinto fome, não sinto frio, não sinto cansaço nenhum, nem nenhum arrependimento, não sei sorrir, não quero cigarros! nem fumaça, nem berço nem nada, eu não estou aqui. E a madrugada estagnada em si mesma não vai embora, o dia não vem, as estrelas não se apagam, porque?!

Não quero um banho quente, nem um café fresco, nem um pedaço de bolo, não quero amigos, não quero abraço eu não quero nada! Eu quero o nada! quero mesmo esta reticência que me devora a alma, em mordidas precisas a dilacerar meu sonho como se fosse uma fera esfomeada e de dentes tão afiados quanto a lâmina da foice que carrega aquele ser vestido de negro, cujo alguns descrevem como a morte. Não sinto dor, ao menos a dor pulsa, ou fura ou contrai enfim a dor seria alguma coisa! queria sentir a dor...ao menos ela quem sabe pudesse mover algo, latejasse vida mas não, não sinto dor, não sinto arrepios, e nem vontade de chorar. Chorar o que?! não ha lágrimas, e nem águas, não ha tristezas, não ha lembranças, não ha saudades e nem músicas, não ha som! e nem sei se ha silêncio.

As cidades de mim de repente desertificaram-se, não ha um só personagem, não ha voz, não ha diálogo nenhum a ser escrito, não ha vidas dentro de mim, meu Deus! não ha mais nada, nada, nada enfim. Minha imaginação, minha sensibilidade derreteram e escorreram pela ribanceira da mata, numa corredeira calma de quem jamais vai voltar, não houve despedida, não ouve promessas, nem olhares tristes não houve nada como não ha nada e nada haverá a partir do hoje! mas como? se não ha um hoje! não houve ontem e não haverá amanhã. Não ha um mês, nem dois meses e nem três, não ha ano passando, nem mar nem rio, nem casa nem ar! sufoco.

Sufoco neste imenso oco, como um vácuo, inócuo, inoperante, inexistente, algo que subtraiu-se completamente, exauriu, desintegrou-se numa completude inimaginável e desapareceu.
Sem deixar qualquer ínfimo sinal de ter existido um dia. O eu não existe! Eu não existo! nunca existi, eu não nasci, não fui gerada, não chorei, não sorri, não dei e nem recebi carinhos, eu não tenho história, nem memória, eu simplesmente sou duas letras perdidas numa frase insensata, incorreta e que jamais foi dita, nem escrita, jamais lida e nem sonhada sequer.

Uma piada sem graça, um livro de paginas brancas a queimar sozinho em qualquer lugar distante, muito distante, distante demais!, devo ser um lápis sem grafite, um vidro vazio de perfume, uma casa que desmoronou, ah! e este silêncio donde vem?! rasgando minhas vísceras em mil pedaços, e no entanto nada sangra! nada dói, nada existe!

Na vitrola o disco emperrou, a energia se foi, o mundo explodiu e o cometa não passa nunca mais. Os aços que antes construíram em trilhas, da linhas da ferrovia, enferrujam! mancham o chão, de um cobre fétido e liquefeito como um choro inútil, ninguém vê, não ha o que ver, não ha absolutamente nada. Só um eco louco e oco que se alastra incessante! nada mais.

Márcia Poesia de Sá -29.01.2014

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Gentil afeto

Quero toda a gentileza do mundo
e um olhar que me amorne, só de olhar...

A docilidade do ontem
o gosto bom do hoje!

A suavidade do sentimento
e a clareza que meu coração
espalha assim, sem medo!

Na mais pura certeza:
um passo após o outro
e só isso...

Márcia Poesia de Sá.
Nosso saber, tão ínfimo
Nosso sentir, tão gigantesco
Que ha horas em que só o silêncio absoluto
consegue nos explicar um pouco
do tanto que não sabemos,
e que talvez, jamais venhamos a saber. 

Márcia Poesia de Sá.
Magia.

Quão mágico é o amor!
ele consegue deslizar
entre a mais linda alegria
e a mais profunda dor

Faz-se e desfaz-se
como um facho iluminado
cortando diamantes!
de tantas cores
a modificarem-se

E explode no peito
como um fractal de luz

Márcia Poesia de Sá.
Meus cárceres

Venho de tantas eras idas, montanhas inundadas de mar e resquícios de outras civilizações. E entre um gole e outro de insônia, entre sonhos e pesadelos cato papeis em rolos de papiros que contavam histórias. Reconheço-me na imagem daquela antiga espada e vejo meus pés iluminados por fogueiras. Sujos de carvão e muita poeira de antigas fugas, fugia de algumas coisas das quais eu jamais engoli e mesmo caída entre matos que recobriam os desertos, ainda escutava o trotar dos negros animais de crinas longas. Vestidos arrastam-se pelos chãos de pedra e areia, homens bárbaros riam seus risos, e havia um forte cheiro de carne assando por entre os veios nus das terras, animais amarrados e soltos e um céu repleto de águias amigas.
Já ouvi certa vez, ao beijar a boca da insônia, numa linda noite de lua cheia, um som estranho de um instrumento de cordas, apenas vi as mãos que o tocavam, mãos morenas de alguém que o dedilhava com muita delicadeza e o som chorava uma saudade incerta. E vi próximo a ele ou nele, não tenho certeza, algo azul, parecia um tecido a voar. Perfumes exóticos tomavam-me os pulmões eu era daquele lugar. Sentia que minha alma ali, era pura essência. E sentada na areia meu peito pulsava gritos febris e silêncios abissais. Eu esperava alguém, e este alguém não tinha sexo nem face, cara nem rito, não corria em suas veias o sangue daquele clã e a ignorância gigantesca dos ditos mestres o queriam morto.
Minhas angustias voavam ao som daquela musica e eu me permitia adormecer, abraçada apenas ao vento frio do deserto.
Até hoje reconheço aquelas rochas que por poucas, para não dizer raras horas, me serviam de travesseiro. E em outras tantas noites, eu via e vivia outras viagens. Não sei de onde vem essas lembranças, eu jamais soube, e me acompanham a tantos anos, mas são reais ao ponto de me fazerem chorar ou voar como raramente o faço. Frio, gelo, desolação. Um mar azul que espancava as rochas, e o som de gaivotas solitárias, Escócia, talvez...Oriente médio, não sei ao certo. Sons ecoavam em minha mente presa aquelas paredes frias e cinzentas. Ouço alto, o tilintar de taças, risos exagerados e graves, alguns gritos, me parece que faziam amor com a vida! ou a matam de prazeres sórdidos! e eram amantes da morte, não temiam a lâmina, nem o derramar do sangue, e tinham certamente nos olhos, assim como eu, algo de eternidade! eu fazia parte daquilo, como se assistisse a um filme. É, nessas noites de lua cheia, quando ouso silenciar e ouvir o vento frio que se alastra lá fora, cortando os mesmos arcos como corta os anos, usando a mesma força, certamente ouço uivos de um passado abrasador.
Dor, força, abandono e amor, nas mesmas teias e veias de minha memória longínqua Então, revestida de mais calma hoje, por saber-me mais profunda que o mar, que por sinal, ainda bate sem parar nas minhas rochas de vida, é que em alguns dias escrevo histórias e noutros apenas as assisto, sendo eu também uma das expectadoras de mim e de um todo que já me pertenceu, e o tempo passa como passa o vento dum deserto.

Márcia Poesia de Sá - 2010
BOM DIA! 

E é por causa dos tantos jardins da vida
terem o triste indício de murcharem e morrerem
Que insisto nesta estranha mania, de eternamente plantar flores...

Márcia Poesia de Sá.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Gotejar

Aqui pensando no que vem após cada linha, bem, melhor dizer que isto não é bem um pensamento, se eu pudesse descrever em palavra usando imagens, o que faço agora é assim: saio de pés descalços pela areia de meu sentir e abro as portas, só isso: apenas abro...Neste instante uma brisa vem lá de algum lugar que não sei identificar e vem trazendo coisas que creio eu, queiram sair. Fico assim como expectadora de tudo, e confesso que uma certa curiosidade me toma também, junto a esta sensação de curiosidade vem uma sensação de esvaziamento, um misto de alivio e expiração de alma. Acho que é isso. Me vem a mente outras sensações, como aquele instante em que você sente um abraço de alguém que ama muito, sabem do que falo, aquele instante em que nos sentimos mais que corpo, mais que esta ínfima vida de menos de cem anos, e mais, a eternidade de uma estada em nós, que se multiplica nas outras criaturas com quem convivemos aqui, neste curto espaço de tempo. Uma plenitude sem sombra de duvida vem conversar comigo e ela fala mansinho, terna e pausadamente, parece que precisa me fazer entender alguma coisa, eu, de pé ao lado da porta, apenas sinto o que passa, olhos fechados, alma escancarada e um silêncio que mais parece ninar ternamente as palavras que agora, como um riacho doce, escorrem de mim.
Hoje queria adivinhar uma caverna, é, eu queria sim! adoraria ler e reler o que escrevem as estalagmites. Sentir profundamente o instante da primeira gota petrificada, da segunda, e de todas elas assim enfileiradas até a última gotinha que antes de ontem se agarrou a rocha e ali permaneceu e permanecerá para sempre. Quem sabe, fazer um exame atento ao que ficou e sempre fica, guardado dentro e esperar que de algum lugar na caverna eu possa ser só um filete de raio de sol, uma luz plácida e tranquila que de alguma forma tenha a permissão de entrar e apenas toca-la de mansinho e ficar ali, quietinha, observando e aquecendo com carinho. Cavernas são seres muito intrigantes, são silenciosos, absurdamente profundos e difíceis de decifrar, em alguns momentos se mostram abertos mas deixam sempre aquela sensação um tanto parecida com um frisson, de que a qualquer momento elas vão simplesmente fecharem-se como concha de mar que guarda pérolas negras.
Então, eu, ínfimo filete de luz, preciso ir com calma, preciso adoçar tanto o meu olhar a ponto de jamais ferir-lhe a tez de pedra, caso contrário perco por completo minha passagem para o paraíso de veios e gotículas, de reflexos e escuridões, de abraços calmos e de revoadas dos sonhos que sempre passam por lá, é sim queridos, as cavernas sonham sabiam?
Numa certa manhã, ainda muito cedo, quando estiquei-me do sol até a pequena fenda na rocha, que coberta por musgos e folhas finas de capim, quase não é vista, adentrei muito suavemente seu interior como um primeiro beijo, e então, eu a surpreendi sonhando.
Sua respiração estava mais calma, e ela guardava na face uma docilidade encantadora que contrastava e em muito com sua habitual face de rocha, austera e repleta de segredos abissais. Nesta manhã cujo dia parecia estar se espreguiçando ainda, a caverna sonhava com areias brancas, daquelas que jamais havia visto de verdade a não ser em seus sonhos, ela sonhava com a doçura de voos que jamais fizera, logo ela, incrustada em suas eternas esperas, e lentas gotas de formatação rochosa, como poderia sonhar com voo, sol e vento? pensava ela no próprio sonho, mas ainda assim por pequenos instantes que fossem ela se permitia se abandonar no colo do sonho e esquecia tudo. Ficava morna e aproveitava seu sonho com um sorriso na face, ela estava em paz naquele instante eu vi. Ah pobre caverna, eu a amava tanto, eu via em suas paredes aparentemente frias e úmidas, o calor de toda uma sedimentação de coisas, eu podia ver por entre seus olhos aparentemente gélidos todo o sonho contido nela e seus silêncios as vezes me pareciam suspiros cansados mas cheios de vida. Em minha forma de fio de luz eu a atravesso quando ela não se espessa para mim, então me é fácil ver suas entranhas e ha tanto colorido guardado em seus marrons, negros e cinzas, que nesta manhã eu juro que queria ser mais que a luz, queria possuir algum dom mais especial que só ilumina-la por dentro! ah...eu queria tanto poder abraça-la por completo, aninha-la em meus braços e carrega-la para longe, quem sabe eu pudesse leva-la deste mar de verdes escurecidos para um mar azul e transparente, ela poderia continuar com sua essência de caverna pois assim ela é e sempre será e deverá ser, mas eu queria deixa-la numa ilha, ou numa praia bonita e parcialmente deserta, donde ela pudesse sentir a maresia, ouvir os sons dos pássaros marinhos e assim de relance, de repente sei que a veria sorrir ao olhar o mar. Quem sabe suas esperas nestes dias fossem mais curtas e mais alegres, mas eu, ínfima luz apenas, só sonho...sonho e planto sonhos já que meu calor faz florescer vida onde aparente não poderia haver, sonho como sonha a caverna, como sonham os poetas do passado, como sonham as libélulas e as rosas que de tempos em tempos exalam e fenecem mesmo sem fenecer. Contudo, e ainda assim, sonham, e isto é bom.

_ Ouves o som das ondas caverna?

Ouso falar-lhe em pensamento meu, minha voz macia a penetra a pele áspera em uns pontos e tão nova em outros, e aqueço sua alma como carinho. Quero que sinta o quanto sou sua amiga e a amo. Ela, ainda sonhando, apenas balança a cabeça e esboça um riso manso que finaliza num suspiro longo de quem entende do que estou falando. Quão sábias são as cavernas! definitivamente são.

Márcia Poesia de Sá - 2014.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Pequena Aurora

Nesta  terra
minimamente,

ilusória
uma pequena aurora
gotícula apenas
de agora

Minha mão
surreal
cerra o real
de tua boca!

cacos reluzentes!
e na lateralidade
do todo
entorno o pescoço
e em meus lábios
agora
um toque
macio
das nuvens
de teus
delírios

onde?

no âmago da
diminuta flor
que úmida
de orvalhos
sonha

Onde meus braços
delineiam um giro
na lua
"aberta"

branca cratera
enroscada
numa linha
nova!

Nesta terra
minimamente ilusória
paira o beijo
sutil desejo

na cândida
hora
desta
aurora!

E são nos olhos
(os mais profundos deste  céu...)
que encontro
o pouso
macio
e doce
retorno

E então, meus lábios
perante a face da terra
ou desta nua lua

Que como sempre tua,
Poesia.

...Ainda que
desfeita
em carroceis

Jura!

Márcia Poesia de Sá - 2014.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Ecos de mim

Não meu querido, não pergunte-me quem sou
Nada sou te afirmo! ainda continuo estando
Penso que algo em mim é tão reticência
Que vai ver na essência, sou apenas um eco
Um amainar de mistérios, com um som de catedral
Caleidoscópio de arco-ires, ou só um pincel sujo de tinta
Não, meu amor, não pergunta-me quem sou!
Olha-me apenas nas entrelinhas, quem sabe assim
um dia, numa tarde qualquer, entre um voo de beija flor
ou uma saudade bonita, tu finalmente me decifres.

Márcia Poesia de Sá.
Voltando

De verso em verso
De prosa em prosa
te aconchegas dengosa
perto do coração

Vem e conquista
menina travestida de malicia
doce, interna e perfumada
como uma febre terçã

Quem me dera ter asas
juro! voaria a tua casa
e deixaria lá, só um canto

Só um pedacinho
de todo este meu encanto
Embalado em papel seda de espanto
por me rever apaixonado!

E assim eu olharia a tua face
nem que fosse na gota do orvalho
que nas rosas que te ofertaria,
lentamente evaporasse

De verso em verso
E de prosa em prosa
Nos abraçaríamos então
Envoltos no perfume das rosas

E de teu beijo quente e abrasador
Metamorfosearia-me em amor
Para adoçar tua vida com ternura

Minha poesia, então, já não seria minha
De nada me serviria, já que não serve mais!
Ela se veste de cais, e ancora minha saudade

Então, receba minha alma hoje nua
Saibas que na doçura de nosso leito
Minha poesia já não me pertence!
pois brada no meu peito: ser só tua.

Márcia Poesia de Sá - 2014
Rubra

Acho que tenho atração por naufrágios
por adágios e por pílulas de utopia

Desejo o poema arrebatado!
irado e alucinado de endorfinas

Queria escrever o amor
mas hoje me parece impossível
ele desbota e pinga sem parar!

Emparedada na linha, só a vírgula
e essa maciça corrupção verbal
Subjugo ao caos os pratos frios
repudio, regurgito e me irrito!

Escrevo então um livro de ossos
depois o afogo num lago qualquer.
Também sei pintar desprezo
e presas a ele, voam as manhãs...

Uma doce condenação ao silêncio
onde a lâmina dança
entre a aorta e a jugular!

Pulsa! jorra, molha e seca
num vermelho vivo quase morto

Beirando o espetacular!

Márcia Poesia de Sá - 2014

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Noturno

É, é assim: o poeta é acordado pelo som do trovão que lá fora ecoa, e numa gélida tempestade de granizo é jogado. Não ha agasalho possível e sua pele arde e avermelha-se, na garganta uma dor lancinante da verdade eclode e um amargor avoluma-se como um tumor incurável. Certa inquietação o toma, uma angustia inequívoca, na verdade, ele não precisa nomear suas dores, ele apenas as abre, como se usasse um bisturi e as olha dentro dos olhos, gosta de sentir as entranhas. É, é mais ou menos assim. Ouço um violino que ao longe toca Serenade de Schubert e me é inevitável partir no clarão da lua que sequer imagino aonde vai me levar. Mas a canção entoa esta minha tristeza, e me deixando ir apenas vou! e mergulho nela como se ela fosse um lago cristalino na encosta de uma das tantas montanhas de mim. Provavelmente hoje sou cordilheira, ha duas ou três luas já nem sei, ando a cavar areias tentando fazer castelos a beira mar, mas as ondas andam raivosas, e sempre me mostram a que vieram, danificando irremediavelmente meus tantos esforços de findar a obra. É só um castelo de areia poetisa! tu me dirás, mas isto não me faz sentido algum, para mim todo castelo mesmo de areia, tem em si um encanto que merece ser visto e revisto, cuidado e olhado com a ternura que só a arte pode ter. E é só e unicamente por isto que ainda insisto!
Os granizos agora falam alemão e parecem mais ríspidos que antes, sinto frio! um frio tão intenso que chego a imaginar que meu peito congela. Terrível imaginar as veias, as artérias petrificando-se a olhos nus. O que eu posso fazer? nada passa de morno em minha mente, lá em cima da encosta vejo apenas galhos secos de um inverno furioso, e as lembranças neste instante começam a esmaecer. Minha memória é completamente tomada pelo branco, e de alguma forma imagino que isto não é apenas neve. Ha um adeus tão nítido ecoando na minha alma que apenas desejaria desaparecer. Do clarão que caia da lua como um fio pouco resta agora, o negro da noite me abraça de vez, e as poucas estrelas despencam do céu uma a uma, como as lágrimas que eu adoraria que existissem, quem sabe elas pudessem aliviar a tensão de meu peito, mas elas não vem, assim como não vem a manhã e nem o sol, e nem um sonho sequer. Tudo vira escuridão, congelo enfim e isto dói, dói muito! Mas a alma poeta tem algo engraçado, ela consegue se ausentar enquanto escreve e vai ver é por isto que escrevem, para sanar esta dor que ao menos nestes instantes dão uma pausa, e apenas observa o texto nascendo calmo como gotas de orvalho a evaporar. No momento um Noturno de Chopin incia calmo pelas encostas da negra noite e creio eu, ser dedilhado em um antigo piano jogado lá do Olimpo por Zeus em uma de suas noites de bebedeira, na qual ele mais uma vez enfurece-se por quase nada. Quem o toca não posso ver ainda, em meus olhos uma nebrina se forma, este fog que me amaldiçoa e me remete mais uma vez ao gelo no qual agora me encontro. O som até que me acalma um pouco, é mais fácil morrer ouvindo Chopin! Ah! e em um momento de doce desespero rogo aos anjos que me tirem deste pesadelo, não está bom! e de nada adianta, não vejo propósitos e nem lições, não compreendo minha alma neste instante, me acordem por favor!
Uma doce memoria vem descendo o penhasco agora, como sei? sei porque toda memória tem um brilho específico, e na negritude da minha alma neste instante só pode mesmo ser uma memória o que vem caminhando ali, esperem! ela parou...observo por entre a nebrina, e rezo, venha!
Não, ela não virá, ficou ali, ao longe, sentou, sentiu o vento frio, me olhou e adormeceu como se eu nem existisse. Bem, melhor então eu me cobrir com este manto azul marinho que me rodeia e me entregar placidamente a este frio, já não ha mais nada que eu possa fazer. Adeus.

Márcia Poesia de Sá - 2014

Quatro

Suave
o som que entoa
e primordial vulto
principia
viagem
(quase uma miragem)

Ela 
que de negro acende
as luas dos céus
das bocas
ocas! sussurrantes
consideram as chamas
lençóis de seda
ínfimas e brilhantes
filigranas

Ele
que de imenso mar, navega
escorre, corta o ar
multiplica o mar
(sufocam)

Maciez
de uma lembrança
em enlace
dois pares de braças
abraços
infinito sonho
amornar
adormecem
e fim

Enquanto as velas brancas
cortam os ventos
e dançam

Márcia Poesia de Sá

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Um mundo (o amor)

De repente, ouve-se entre ecos que bradam roucos a terrível e assustadora frase, que se repetia de boca em boca e pelas ruelas, e nos bares se escutavam altos gritos de indignação e desespero, e por dentro das casas ecoava também, ainda mais tristes, o que parecia impossível, ao menos nos lares de verdade, contudo era real, todos e em todos os recantos ouviam: O amor morreu!! O amor morreu!!
Um furdunço sem tamanho, um destempero, alucinante, pura agonia...
- como assim se perguntavam? aturdidos, todos os seres.
Mas verdades são assim mesmo, quando chegam arrasam tudo! como um temporal num deserto. Aos poucos eles foram se sentando pelas calçadas, moças choravam baixinho e jogam pelas ruas cartas guardadas, pétalas secas de rosas que guardavam em si toda a magia d'algum momento, esvaziando caixas repletas de lembranças que hoje não faziam mais sentido, que junto a papéis de antigos bombons revoavam pela cidade.
Cavalheiros de todas as idades, olhavam-se como se numa busca frenética de alguém que os explicasse, e em qualquer que fosse o veio do pensamento, do que se tratara aquela insensatez, religiosos á se ajoelharem pelas ruas olhavam o céu, como se a espera de um milagre ou no ansioso aguardo da própria mão de Deus, abandonando o céu e vindo ao seu socorro, mas não, nada ocorria.
E o silêncio embalado a um cântico sutil, quase que beneditino de lágrimas a se avolumarem pelos chão, pelas faces e pelas vidas, foi ouvido duma maneira estridente.
A noite não tardou em chegar, trazia na face uma cara sacana e levemente irônica, com uma lua gigantescamente branca e felina, que nua no céu, clamava por seus adeptos.
Aos poucos, pessoas recomeçaram a viver, apesar disto. Bares enchiam-se de toda sorte de prazeres, casas eram repletas de gentes, e silenciosos vazios,além dos terríveis olhos que nunca se viam. Bocas garfavam ávidas, sabores rápidos nos micro-ondas que diminuem tudo,
que estupram o tempo do carinho, do cortar lento de maus pensamentos, que excluem o mexer da ternura, nas panelas que praticamente já não eram vistas
Extirpando olhos e narinas dos aromas e fumaças d'alguma magia, em face ao amontoado de plásticos reciclados que estes sim, proliferavam-se nos armários daqueles ambientes, que antes, guardavam tão ternamente, atenções e afetos.
Igrejas igualmente repletas de frases decoradas, ilusórias certezas, e desesperos velados.
Mostravam suas caras sorridentes e bocas cheias de dentes a mastigar feiosamente, ganâncias vis, e mentiras gordas que ecoavam gasguitas pelo mundo todo.
Filhos sem qualquer cueiro, apontavam flechas venenosas, a rasgar o ar da terra, como alucinados filmes do mais puro terror, rasgando úteros mentais de cujo interior haviam vindo, e calças sem qualquer cor azul, desbotavam-se á olho nu, escorrendo suas inutilidades e na fuga furiosa de mais um prazer, esbarravam de cara na lama do tempo.
Enquanto pseudo Deusas femininas, catavam latões e famintas de todo e qualquer resquício de natureza possível, abandonavam sorrindo pedaços de si, pedaços vazios, feitos em locais vazios, com companheiros vazios, de histórias vazias, na mais fria desolação que a humanidade jamais vira. E seguiam passo a á passo seu caminho em busca de mais uma prova do prazer insensato.
Coronéis qual pavões alimentavam suas próprias fúrias internas, de colos banidos, apontando o dedo melado de inveja, aos jovens que ainda meros expectadores de toda esta desgraça
caminhavam perdidos pelos dias sem graça, berrando ordens de guerras! e vitórias...
tão palpáveis e reais quanto o sangue azul dos Lordes.
Havia indubitavelmente um sopro quente vindo da célula mater. disto tudo.
O amor morreu...e era inevitável pensar nisto, a cada raiar e se pôr do sol, enquanto as múmias andantes e perfumadíssimas, em seus carrões de luxo, vomitavam sorrisos falsos, ou a puxar carroças, tentavam encontra-lo por todos os antigos becos daquela cidade ironicamente abarrotada de vazios.
A necessidade absoluta do ser humano em manter seus equívocos tão bem protegidos por rótulos aceitáveis, fez com que o tempo fosse dormir ao relento...
Certo dia e tantos séculos depois, ...
Um rapaz, afastou-se da cidade, carregando nas mãos uma sacola suja de terra e dentro dela, alguns pés já enraizados, em busca de um lugar mais escondido numa mata para plantar alguns pés de droga, droga esta nomeada de sonho, por ele, foi quando encontrou um belo recanto, onde havia um lago transparente d'agua muito fria, e sobre ele derramava quase como um choro branco uma imponente cachoeira a brilhar na escuridão opaca de todos os seus dias...
Extasiado, o rapaz chorou, jamais havia sentido aquilo e por pura vergonha, já que naquela época ser sensível era a mais rota das sepulturas, tenta esconder-se por traz do lençol d'agua que ora se mistura a sua lágrima infinda. Decide então entrar por trás da cachoeira na parte interna da rocha, sob um furioso som de queda, e recostado quase como miragem, um franzino corpo, deitado,inerte na fria rocha, olhos cerrados, magro como só a fome pode ser, cabelos esbranquiçados e ressequidos pelo abandono do tempo, pele repleta de cicatrizes e raras feridas ainda pouco sanguentas, parecia dormir.
Á principio o rapaz exaspera-se, pensa em rapidamente fugir dalí, já que ele nada tinha a ver com aquela desprezível visão da dor. Mas algo que ainda pulsava nele, pela tamanha emoção a qual havia sido tomado, o fez estacionar por um instante seus intentos e se deixou ali a observar aquele tragicômico corpo inerte.
A noite já vinha vindo galopando labaredas nas costas do sol, quando o rapaz resolveu falar com aquele ser obviamente tão frágil e solitário. Abaixou-se perto dele e ainda pode sentir, muito de leve, mas ainda assim, uma certa maciez em seus brancos cabelos caídos na pedra, sua respiração quase ínfima, apenas liberava um som de : pouco...
Com as mãos do rapaz a passearem por sua cabeça, com um real interesse de ajuda-lo, o pobre senhor foi destrancando seus olhos como se um sol ali pudesse estar raiando.
- O que faz aqui senhor, o sr, está bem? pergunta o rapaz agora, aliviado.
- Fujo, responde a voz rouca e extremamente fraca...
- Foge de que? mas quem ha de querer fazer mal a um senhor assim tão frágil, meu Deus?!
pergunta o aturdido rapaz ao olhar o teto da caverna apinhado de morcegos.
Mas ha um silêncio ainda mais aterrorizador que os mamíferos de cabeça para baixo que agora os espreitam. E ele continua, insistente...
- Senhor, por favor me responda...apenas queria poder avisar a alguém na cidade, quem sabe um familiar, só isso, não tema...
- Não tenho família meu filho, não tenho lar, nem filhos, nem pais, nem paz, nem nada. Ninguém mais acredita em mim, e até me fazem arruaça e piadas pelas ruas.
Da ultima vez que ousei sair daqui, apenas ouvi risos e cochichos maldosos, sem falar nas mentiras e até pedras que me cortaram a cabeça...arrancando-me a pele por dentro do corpo, deixe-me aqui, ficarei bem, siga seu caminho.
O rapaz sem saber o que fazer ou pensar decide ir, certo de que voltaria no outro dia para a plantação de seus sonhos, e para tentar rever aquele ancião.
Mas antes de sair, e numa ultima tentativa de contato, pergunta:
- Ao menos me diga seu nome, tentarei voltar amanhã...
- Meu nome? disse o homem com um riso triste na face.
Se eu te disser meu nome tu farás tão pouco caso de mim.
- Prometo que não senhor, diga-me...insiste,
- Meu nome...
e vagando os olhos pela caverna fria, num tom extremamente saudoso, fala:
é, meu nome costumava ser, Amor.


Márcia Poesia de Sá - 19.11.2013
Para o grande escritor que escolheu chamar-se de Véio China, 
Du Pavani...é para você...com minha eterna gratidão.

Hoje vai ser assim, eu vou arrancar as cascas, retirar as máscaras e escancarar coisas que sinto profundamente na alma, coisas que minha natural sutilidade, profunda sensibilidade, apenas se abre a minha retina como uma cortina densa que derrama-se em frente a janela de minha vida. 
Vejo as pessoas por dentro e isto é uma sina, um "que" que me encabula, mesmo quando acostumada estou a ver as entranhas das pessoas, de suas atitudes e almas escancaradas nas linhas.
E não pensem vocês que só vejo entranhas externas, já que minhas próprias entranhas são meu caminho mais habitual, mais até que meus dias de sol e vinho ou dos dias em que tento criar arte, minha arte vem de dentro! dalgum ponto donde perco-me de meus lírios plantados em minhas cercas, e até de meus profundos abismos, só ali me sinto eu, quieta, morna, e dentro de casa...
Pois quando estou fora de mim, assim lá fora, bem longe...é tão sem eco e tão frio que agasalho-me neste riso abestalhado, que mais me pinta de palhaça, do que do mar que vive em mim.
Mas não era de mim que eu queria falar, eu queria falar doutra joia, de uma joia abençoada, pela vida, pelos anos e pela maior de todas as graças, foi abençoado pelos anjos dos verbos! e este anjo derramou nele argumentos impossíveis, tantos versos, tantos risos, tanta alma e tanto amor, ai o Deus da ironia emocionou-se quando ele nasceu e doou a sua alma, pimenta, amargor e azedumes, isso te aparece ruim? não te iludas! pois o que parece nefasto na verdade é tempero! é o gosto justo e exato de um escritor gigante e imenso novelo.
Faz tudo ficar perfeito, ele escreve sobre a alma, como quem tantas almas tem, ele muda de corpo assim, bem fácil, como ninguém...acho até que a poesia quando soube deste seu renascer teve ciúmes dele e decidiu ir lhe ver , beijou-lhe assim os olhos, e lhe passou a emoção, assim, este escritor é um louco coração.
Uma ríspida palavra, um arco de arco-íres, vários riscos de aviões, trovôes, raios insanidades e brisas, raios, doçuras e profunda imensidão. A linha dele não finda, só pára, quando exausto desiste de sua sina, assina o poema ou conto e levanta-se para viver. Mas não se iludam leitores! jamais imagine-o lido...já que ele sempre volta ao filho já parido, e ao útero o devolve, é um mágico da palavra! e com tamanha facilidade, recria, re-gesta, re-páre...e renascendo infinitamente, ele se faz " Véio" sendo ainda adolescente, e nos ri com um riso pseudo bobo de um escritor tanto cândido, como insano e puramente verbo, se desfaz e refaz em tantos, inclusive um indecente louco.
A ele, eu só assisto, e aplaudo como leitora! pois de seus textos sou ávida viciada, na cadência de seu criar, pois quando o leio saio de mim, entro com ele nas histórias...e ai amigos, nem sei se sou eu, é um emaranhado de coisas, acho que se pudesse descrevê-lo como objeto, seria certamente um tobogã...posto que ele me leva por supremos sobes e desces e assim eu fico, rio, sorrio muito!, choro, suspiro e gargalho e por fim, quase sempre calo...e até de aplaudir eu me privo, não posso apagar o som que ouço, já que sua palavra brada e ecoa ainda em mim, nestes instantes pós viagem, então, é assim escritor! Apenas aguardo a justiça! para que lhe faça juz, pois a um escritor deste nível nada mais seria justo que um livro, grosso e denso do qual ele se orgulha-se! e não só para ele, juro que não, nem nisto pensei eu, quero um livro é para mim, egoisticamente pensando, pois agarrada as suas paginas, eu estaria sempre, viajando...Obrigada amigo, de verdade e com todo respeito é um privilegio lê-lo.

Márcia Poesia de Sá. - janeiro de 2014


E para explicar minha admiração deixo um link do poeta e ouso pedir aos meu leitores que leiam um dos que, para mim é um de seus mais belos textos: Captain my captain...obrigada desde já.

https://audioboo.fm/users/104395/boos

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Adeus

Partiu como partem-se as gotas de chuva 
quando estraçalham-se nas rochas
Foi a passos lentos mas precisos, 
dela, nada mais reconhecia
camuflava-se em labirinto


Partiu assoviando ao infinito
nos olhos uma tristeza mansa


Partiu e seus partidos pedaços, carregou consigo
já nem sentia n'alma se queria uni-los


Nos seus braços ardiam, só cicatrizes das rajadas
no seu busto farto, uma farpa amarga enfiada


Partiu e ao mundo todo, foi só abismo
Refugiou seu sonho em um poema
apagando a dor com rima cheia
acenou a lua, pela ultima vez


E assim, partiu rumo a realidade.

Márcia Poesia de Sá - 2014
...Desde a muito eu percebo o quão distante andam algumas almas
desde ha muito este meu perceber me aflige, desde ha muito eu 
sou só alguém que sente as reticências, como se elas fossem assim,
parte de um todo, de um cheio, e elas, tem para mim, um volume abissal.


Não sei, mas penso que a humanidade anda carente de reconhecer abraços reais.

Márcia Poesia de Sá.
Sonhos reais.

Apalpo a garganta do tempo e posso ver que está tenso, nos ombros carrega os acenos das cruzes que ao seu corpo amarraram, uma rua onde tudo é partida já me chegou apressada e gritando pede-me fica! como uma louca alucinada. Nas mãos eu carrego já as malas, está tudo errado e eu sei, mas não ha caminhos possíveis para apenas ficar. Minha casa está em chamas, mais nada tenho para levar, portanto sigo sozinha com olhos de poeira e saudade.
A rua então se conforma, e em curva se transforma para que eu possa seguir, e eu sigo até o final da curva, onde um abismo azul me aguarda, tão alta a queda pode ser, contudo já não temo nem céu nem jaulas, na verdade nada temo, minha alma já é voo neste instante e então salto! salto e tudo me é leve, nada levo, nada mais, até a mala voou, e os livros que ela guardava batem asas ao meu lado, e entre folhas e parágrafos vamos chegando ao chão.
Agora, na areia pousada, sou eu e eles como ilhas, desta praia branca e linda, onde moram só jangadas. Lá longe mora o silêncio, vizinho da ventania, á frente mora o oceano que vem nos beijar todos os dias. Ontem quando sonhei com extremos, e até acreditei em absurdos, nem imaginava as curvas do tempo, e nem a liberdade dos nebulosos obscuros.
- Silêncio poeta! Silêncio! ouça o que vento diz...
- ...
Após adormecer na choupana da esquina, a vida acorda sorrindo no canto da face, um riso que em si carrega tanta verdade, uns vermes que ela tranquila já aprendeu a matar, e então a vida usa as suas ínfimas certezas, tão frágeis como ovo de passarinho, só para exilar toda e qualquer clausura donde o medo desprezível, seja um ser ativo ou invisível inimigo.
Gosto de minhas fraquezas, conheço-as todas, uma a uma e não são poucas, mas aprendi com o tempo e com aquela estrada em curvas, que as coragens não são burras, e possíveis de alimentar. Aprendi que sei amar, que entendo muito de abraço, que compreensão e ternura constroem castelos e juro que sei muitas coisas que o silêncio jamais ousou cochichar.
Neste instante o tempo dorme, e em sua garganta deglute o tardar como se doce fosse. Uma morna noite de lua cheia, onde o mar se faz calmo e prata, e é lá que ele dorme na areia branca deste luar. Os homens carregam cruzes demais, temem demais, e os anos apenas, para alguns, vão passando e somam ostras a sua tez qual navio abandonado, vão cobrindo a maceis de suas peles com ásperas nebulosas dúvidas, ha de se crer no novo, e dar-lhe um crédito que seja, nem que seja por uma única vez, quero sentir o navio voltando a tona, sentindo os raios de sol que por ora lhe chegam frios lá na profundidade deste mar onde ele se pune e se abandona, e espero, face espero e espero que esta aparição lhe seja tão doce beirando os lábios sorridentes dos sonhos, que ele transforme em permanente o que lhe parece um mero improvável.
Dias se passam nesta cidade, meses já se foram, acho que dois e alguns dias, no meu peito algo que se agita, e tantos outros "algos" adormecem, trazem na face e no riso guardado numa expressão tranquila, que está tudo exatamente como deveria estar, igual aquela jangada antiga lá no final da praia, tão bonita, tão pensativa olhando seu amor maior, o mar. Por anos ela adentrou-o com fome de peixes e ondas e sorria alto enquanto ele lhe jogava ondas e unidos se amavam nas manhãs, e nas noites enquanto ela descansava na areia, ele lhe aconchega gostoso com seu olhar de posseiro e amante, ansioso por uma outra manhã, hoje ela aguarda um de seus troncos que lhe falta, perdeu-o numa única tempestade enquanto o mar ocupou-se de suas ilhas, a vela branca e sonolenta amarrada em seu mastro observa o vento e igual a jangada só sente saudade, mas é uma saudade terna, diferente, daquelas que aquecem o coração da gente, daquelas que a gente tão certamente sente que um dia irá matar. E enfim, é isso que agora vejo nesta tarde de sol ameno, dedilhando meu violão de poesia e cantando baixinho um poema musicado repleto deste amor que me invade, que faz de mim apenas verbo, na pele, nas mãos, nos olhos e nos aromas que por ti agora exalo, quando de meus olhos saem cachoeiras deste sonho que ha tanto embalo e guardo como uma joia preciosa que um dia eu sei, eu sinto...existirá.

Márcia Poesia de Sá - 2014
Gota

Tenho 
uma 
castidade
abrigada
por entre veios

Velas de um mar só teu

E enquanto o mundo gira
Durmo nossas cores

Numa paleta
cujo cerne
fala de
acolhimento

No aconchego 
de nossos tons
só um enluarar


da 
noite,

tua

e

minha


magia
diluída...

em gotas
de cristal

Márcia Poesia de Sá - 2014
Uma parceria com a linda amiga e excelente poetisa...

gota d'água.



E das razões,
perdidas entre as gotas na chuva,
nada retém.

O manancial se esvai.

Na areia sem tom nem luz,
noite de lua partida,
na sofrida vertente do nosso mundo,

inundo-me.


Márcia Poesia de Sá e Luciana Brandão Carreira

domingo, 5 de janeiro de 2014

É, esta vida é mesmo engraçada.

( E de verdade, ao digitar engraçada, errei e digitei engradada, depois vou pensar num poema de grades)

 Mas enfim,

É, esta vida é mesmo engraçada.
Estive a ínfimos milímetros da plenitude da felicidade. Pude ainda sentir seu perfume, sua tez e até mesmo a fumaça que corria de seu fogão a lenha, cozinhando lenta e carinhosamente coisas minhas e dela em sua panela de barro. É, estive pele a pele com o abraço, e ele me aqueceu e arrepiou os pelos. Queres ver os olhos da saudade? se disserem sim, eu  peço uma foto. No momento ela está aqui sentadinha no chão, recostada nesta casa de pau é pique, deglutindo um copo de água da jarra  e olha para o horizonte.
Sabes? hoje á noite eu vou fazer uma fogueira, quero hoje ver estrelas! e nem a chuva se vier, vai me impedir de vê-las. Porque poeta é um ser que vive sozinho, e a isto nada pode mudar, a gente cria mundos, todos se mudam para lá, e no fim só nos resta este pote mágico de criar, e uma solidão infindável.
Mas hoje á noite não! hoje farei diferente, criarei meu mundo ainda á tarde, antes da lua acordar e me tomar para ela. Hoje quero chuva de natureza, respingo de beleza e verdade e olha só, no meu mundo chuva jamais apaga fogueira!
Vou assar milho, fazer café fresquinho, forrar a mesa com toalha branca, e decorar com margaridas. Hoje eu quero e vou ver estrelas. Guardo um lugar no jardim para você?
Bem, vai pensando ai, que preciso sair para comprar giz e riscar na terra aquele joguinho da infância no qual pulávamos com um só pé até chegar ao círculo. Ah o nome do círculo era céu...


Márcia Poesia de Sá - 2014 
Lareira

Sinto uma querencia
um acordo com o amanhã
a brisa morna que faz dengo
e aquele lenço logo ali
acenou com palidez brilhante

Sinto a fome dos famintos
a lareira que ora crepita
o carvão que dilacera
nas sinuosas voltas do asfalto
... e esse cheiro de marolas

Sinto o rasgar da nuvem
a seda que da seda, já cedeu
as mãos dos distantes
e a língua do elfo!

Sinto a rajada do cansaço
Sinto que sinto demais...
farejo a carne que assa
e lambo o silêncio audaz

Márcia Poesia de Sá - 2014
Apenas algumas gotas de poesia...


Quando é amor:

"O simples pesar da sombra de uma folha, me faz lembrar teu sorriso..." 

Márcia Poesia de Sá.

...

Acho que não sou inesperada! sou um inteiro! Quem sabe, um tanto obtuso, difuso, sou um pouco corredeira em meio de mata, um bocado de mar e mais um punhado bem grande de emoção. Mas não sou inesperada! Inesperada, não...

Sou só o que me cabe, e olha só, se me cabe, é imensidão.

Márcia Poesia de Sá - 2014.

...

" Dos teus dedos escorrem corredeiras sem fim
meu corpo, apenas o alagar de teus desejos
nossas mentes, o mar que nos une em linhas"

Márcia Poesia de Sá - 2014


sábado, 4 de janeiro de 2014

"Certa vez me perguntastes quem eras tu, bem, naquela noite eu não sabia. Hoje, quando a noite vai assim, virando dia, e faço do silêncio minha alma em sinfonia, esta agonia triste, que me queima inteira! quero crer que descobri quem és"

És 

Tu és o que sentes, até quando desmentes ou mesmo, mente que das mentes tu escapas. Tu és um todo, nesta difusa dimensão de átomos e esta fantasia que te assola, és o incêndio lancinante que ousas tentar apagar, tu és tão maior do que imaginas, meu anjo.
Maior que tudo, que todo o universo lírico, tu és o verso sem improviso, a entranha da palavra que vibra alucinada!

Ainda assim, barganhas ilusões enquanto dragas teu mundo, tu és o peito desejado, uma gruta milagrosa, do amor, o mais profundo! do abraço, o aconchego. És o coração machucado que me fez calar agora, Tu és a pele que se esconde quando a alma vai embora. És o açoite dos beijos, a ternura virando brasa, o favo de mel que se alastra em mim e brada, e este meu choro na madrugada.

És a onipresença do sorriso, a alforria dos olhos, a chave de meus cadeados, e a cachoeira que faz ceder o surto do meu fogo! És a calma sonolência do depois, a fruta madura da saudade, és tantos e sendo todos, abrasas minhas verdades. És o íntimo da noite, os becos de solidão, és o mistério da lua e um mar de devassidão!

Tu danças a valsa da magia, acende minhas fogueiras, risca uma estrela na areia e explode como um rastilho de pólvora, então, é assim que te sinto. Um clarão na negra noite! como uma estrela cadente, que se aproxima, brilha, faz sentir e sente, mas desaparece quando vem a manhã.

Mas nada poderia ser assim tanto...És a razão da minha loucura, o cerne preciso da linha reta, sou emoção! me perdoas? sou poeta. Não sei brincar de amor e não amar...

Então, amar-te mais que a vida é minha sina, sofrer por teu amor me dilacera e fascina, mas não te preocupa, eu uso a verve, enxugo este meu rosto em versos livres, e assim quem sabe algo sobreviva, de tu, de mim ou de tudo que vivemos.

E disto tudo resta-me só a morte, a morte de um amor que não amastes, mas das noites, guardo o vento frio, as estrelas do mar, os risos e os calafrios, guardo tua voz e os textos lidos, guardo teu beijo, quente e feroz na garganta minha, guardo o abraço, o arranhar e o adormecer.

Pois és assim, uma cicatriz que já não cura, um talho aberto que mesmo sangrando faz sorrir, que me amorna mesmo quando me congela, Um sonho lindo que para sempre vou guardar! enfim, creio que agora sei quem és, tu és o choque que avivou meu coração. E por fim, serás sempre minha estrela, em noites que como esta, rascunho a escuridão.

Márcia Poesia de Sá - 2014
Anzol

Pois é, hoje decidi que morro, morro da morte visceral e da qual ha anos acalento como prioridade absoluta de escolhas abstratas. Canso fácil de coisas difíceis e me é imperativo prever um futuro mesmo que este, seja apenas uma utópica linha repleta de palavras, virgulas, exclamações, contudo, quando as interrogações se avolumam, se enroscam todas provocando uma bagunça no mínimo, desagradável, provavelmente pelo seu formato de gancho, na verdade não era a palavra gancho que eu queria usar, mas esqueci como se chama aquilo que fisga os peixinhos mais desavisados, e que carrega espetado nele, uma minhoca estúpida.
Já gostei de pensar que pertencia a algum enígma escrito por algum Deus profundamente sádico e com óbvios distúrbios de repetições. Mas na verdade esta ideia e tantas outras, andam despencando vertiginosamente da minha mente ha algum tempo, na verdade na minha mente neste momento tudo despenca, tudo simplesmente cai, gostaria muito que pudessem ver a imagem que vejo agora, é um misto aterrorizador de um terremoto numa escala indizível na livraria de Londres com a hora da xêpa de alguma imunda feira do interior da Índia. Enfim, livros sujos de legumes e frutas, e no meio deles algo escorre e parece-me daqui, ter um tom de verde, ou seria marrom? não sei e nem vem ao caso.
Mas escorre, e molha as páginas, e estraga as antigas e tão amadas coleções de capa dura assim como os gibis dos anos setenta que eu colecionava. Isso não está me incomodando em nada, e este desapego na verdade me incomoda, a única coisa que eu gostava nesta minha mente era isso, e agora parece que só ha um vazio. Um eco que ecoa de lá para cá sem nada dizer. É, definitivamente hoje eu morro.
Morro a fantasia, morro o sonho e seguro firme este copo cheio de desilusão no qual acrescento duas pedras de gelo e mesmo sem querer, acrescentei uma pitada de pimenta do reino! Nossa! acho que exagerei na pimenta e isso me faz espirrar muito!
Pois é, agora vou tentar desafiar o absurdo! quem é o absurdo? bem, o absurdo é um cara que conheço ha muitos anos, na verdade acho que quando eu nasci ele estava na sala de parto, de braços cruzados e vestia uma terrível roupa vinho, que lhe dava um ar tétrico dos contos ingleses. Ele baforava um charuto e sorria da minha cara melada de sangue, acho que foi a segunda pessoa que vi ao nascer. A primeira foi o médico, devia ser médico, usava aquela toquinha ridícula verde.
Ele vem me acompanhando a vida toda, tem um riso muito chato e um sarcasmo intolerável que usa sempre quando eu quebro a cara em quatro pela vida. Nos últimos anos ganhei várias partidas de canastra para ele e isso o deixou furioso! Então, ele decidiu me arranjar uma esparrela na qual escorreguei e cai de quatro mais uma vez. Mas desta vez serei mais esperta que ele, não é possível que com todos estes anos eu não tenha aprendido nada com este calhorda, vou matar um monte de coisa em mim e isto ele jamais esperou ou ousou sonhar.
Então, depois disso irei abrir a janela e gritar para ele: Oh! absurdo! vem cá que eu tenho uns segredinhos para te contar. Ele é muito curioso e a demora em revelá-lo os tais fictícios segredos, o matará de raiva, provocando a fúria de sua ulcera, também tentarei servi-lo algo que piore esta dorzinha que tanto o perturba.
Como já não haverá em mim qualquer resquício do eu, que ele conhece e reconhece tão bem, fazendo com que me manipule com a facilidade com que manipulamos um mamulengo pastel, creio que isto o deixará perplexo ao ponto de enlouquecer, então, um absurdo louco será meu companheiro de jornada, e a isto eu conheço bem, me valeram muito, os anos de estudo deste assunto e aquelas viagens malucas que fiz de trem pela Europa, além de é claro, as outras viagens que neste instante me vem a mente como um carrossel de parque infantil, só que ao invés de cavalinhos girando, o que gira é um animal pré-histórico, provavelmente do qual, descenderam os cavalos marinhos.
Hoje, tem de ser hoje, nem ontem nem amanhã. Hoje, eu morro de mim, e de toda esta minha cruel imaginação, que devora com a fome dos felinos minhas horas, e o pouco da minha insanidade. Jamais novamente vou embargar a voz, jamais me deixarei triste, e se um dia, seja lá quando for, eu voltar a amolecer esta infernal bomba que não me deixam arrancar do peito, juro que a espetarei com uma daquelas seringas de anestesia, aquelas bem longas, e dentro dela farei uma mistura de ácido sulfúrico com uma ou duas doses de curaçao blue.
Ainda hoje, também preciso arrumar as malas, mandar lavar os sobretudos e as máscaras, pegar na casa da tia aquele casaco preto e deixa-lo na lavanderia do senhor Yoshiro. Desencaixotar as botas, as luvas negras, e aquele lenço de seda. Também não posso esquecer de procurar meu passaporte, mas acho que ele nem vale mais, bom! se não valer não faz mal, tiro outro, afinal é sempre assim, quando algo não vale mais, a gente só o substitui por algo que valha, ou que igualmente nada valha, mas é novo não é?!
E o novo é sempre brilhante, mais bonito, mais macio, mais cheiroso ou seja lá o que a nossa vã ignorância deseje acreditar naquele momento.
E depois de tudo pronto e comprado, inclusive a passagem para o inferno gelado, sentarei com meu inseparável absurdo enlouquecido em uma daquelas cadeiras apertadas de algum avião, de qualquer companhia que me tire do chão, e depois de um duplo entorpecimento das lágrimas que jamais nascerão, sei que vou por fim, puxar o bloco de nulidades e riscar com tinta preta em linhas docemente abandonadas no papel, uma breve poesia sem qualquer rima, que fale do quanto vai doer este momento, comentarei da visceral saudade que me acometerá, e de todos os momentos que me foram inesquecíveis, provavelmente lá pela terceira estrofe, eu tente acrescentar um terremoto, ou um vulcão que nasce em minha garganta e morre nos tímpanos do abismo surdo, e que de lá retorna como um eco avassalador, falarei dos beijos, do ouvir o sono ressonar, falarei das nuvens e do mar, e nesta hora o meu amigo absurdo já estará com aquele riso maldoso na cara, então e mesmo assim, eu vou continuar a escrever até esvaziar de vez o que neste momento, me ferve a verve. No final, vou deixar o poema sem assinatura, amassar muito bem ele nas mãos, uma, duas, três vezes ou até que assim eu me despeça deste sentimento, depois abri-lo delicadamente, coloca-lo dentro daquele vão da cadeira á frente, e este será o final desta história. Tudo apenas se resume a isso, um poema abandonado em uma poltrona vazia.
E enfim, vou permitir que meu olho vague vago, por sobre as abstratas nuvens de vento, umidade, brancura e silêncio. Que agora frias, acarinham as asas do avião.

Márcia Poesia de Sá. - 2014