quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

... E por entre farelos permitidos, farejam os cegos seres por entre as latrinas de suas certezas inócuas. Adentrando as horas, confabulando hipóteses inertes. E quem por tanto devaneio, rastreou as luzes do cometa que passou, se esgueirando por pontas afiadas de estrelas cadentes, tão decadentes, guarda na profundidade dos olhos, na parte mais escura da noite, uma luz carcomida e uns risos de Monalisa. Não há vassouras suficientes neste mundo para varrer todo o pó desta insensatez. E o mundo segue como sempre! como se nada tivesse ocorrido, como se o céu não estivesse partido, como se o mar não chorasse copiosamente a cada raio de sol. ...E por entre farelos adocicados de medos enjoadamente açucarados, distribuem-se então, pingos negros qual formigas famintas, a lambuzarem-se de caos.
Márcia Poesia de Sá. - dez 2014
Por dentro ou por fora. É a mesma paisagem, um tom á menos da luz, pinceladas que seguem sempre a mesma direção, como um rio de tintas que não secam jamais. Por dentro ou por fora da obra, tudo é silêncio, e nos veios do tecido que recobrem a tela há o um perfume entranhado, que quase como os melhores dos vernizes sei que perdurará por gerações e gerações até que um dia alguém ao observar a obra, percebera uma saudade imprecisa.
Por dentro ou por fora, quando meus olhos perseguem os traços riscados e apagados, refeitos e tantas vezes melhorados, os neons de lembranças, e o sal do mar onde plantamos sonhos que hoje lutam para brotar, vejo no verde e azul desta tela um morno líquido que se esconde e se mostra. Uma tela de dois tons, em cujas nuvens há sim uma chuvinha fina e fria que cai lenta e musicalmente. Há uma letra de música que dorme por trás da tela, e os sons que dela emanam falam de eternidade. Por dentro ou por fora, meus olhos marejam como alguém que olha para o sol por tempo demais, Depois se perdem entre tons que não se traduzem, há muita areia sendo soprada agora, o vento está irreal. Guardo a tela para finalizar amanhã e adentro o mar, é lá que guardei os segredos todos que não te falei ainda, e é de lá, do mais profundo do mar que retirarei a unica cor que irá de fato destoar nesta tela, e no fim, será esta cor a mais observada por todos, afinal, o sofrimento tem sempre algo de arte, algo que arde, algo que escorre como tinta e verniz no calor da loucura. Olha, vejo um veleiro partindo no horizonte, a vela é branca e linda e uma pedrinha que na minha mão está, vou guardar comigo até quando o outono voltar, até quando eu finalmente assinar a tela que agora viajo. Por dentro e por fora...
Márcia Poesia de Sá. - dez 2014
Na silhueta da lágrima.

Há definitivamente traços que são impossíveis de serem verbalizados, 
assim como cores impalpáveis, e chuvas torrenciais do mais tórrido dos desertos.

Há fatos que não são captados pelas retinas assim como alguns que só por ela podem ser decifrados. Há uma mansidão letárgica no umbigo da explosão, e um borbulhar febril na cálida lâmina da água que fica nas folhas após a tempestade.
O mundo é cheio de ínfimos instantes extraordinários, que mergulhados numa pequenina lágrima conta histórias infinitas. Da alma que utopicamente ressuscitada, ainda em cortes e sangues, respira fundo este cheiro de silêncio, engasga, tosse e volta a adormecer, nesta silhueta mansa de rastros abissais. Onde pingam calmamente os sóis e os tempos, misturando-se entre si e diluindo-se em nadas e nesta dor fremente de um nascimento de outro inverno longo, acorda atordoada e disrítmica, caminha em passos lentos ao próximo peito da janela aberta e despenca livre para evaporar no vento...

Márcia Poesia de Sá.
Quem me dera saber bordar, prometo que tentei, mas esta arte manual me foge dos dedos, em furos de agulhas que sangram. Ah quem me dera costurar os rasgos de cada alma e saber colocar estrasses como estrelas nos olhos das noites sem lua. Queria poder repaginar a vida num diálogo perfeito entre o abstrato e o rarefeito, mas não ousei. Fiquei estagnada nas mesmas pinceladas azuladas dos momentos, e escolhi a palavra como asas, voei nos mesmos céus e só sonhei em noites onde chovia, aquarelando tudo. Matizando de uma só cor a tela que poderia ser profusa e original. Quem me dera um dia compreender de fato a voz das nuvens, quem me dera a paciência das pedras, e a força que gesta os corais...
Se eu soubesse mesmo bordar faria uma imensa colcha branca em renascença de intimidades, colocaria nela borboletas de aconchego e segurança, faria de cada fio de linha um abraço e em uma noite fria do futuro, te cobriria de alegria e sono.
Mas minha incompetência abissal em bordar, me arrasta aos ventos e chuvas que caem em minhas telas brancas agora, e parece choro, e parece dor, mas as vezes penso que é só uma cachoeira, uma imensa cachoeira transparente que inunda meus pensamentos e faz com que o mundo todo se torne liquefeito. Minha loucura é tanta, que dormi e sonhei que bordava, quando acordei só senti uma terna e breve maciez dos pontos não dados, e um leve aroma de mirra e sensatez.
Márcia Poesia de Sá.
Quando todo o mistério da morte vem ter comigo e isto é frequente, sempre veste um manto de seda duma cor que desconheço, usa nos pés umas pantufas invisíveis e tem na rouquidão da voz uma maciez quase lírica! nos olhos arduamente negros, uma obscuridade líquida e possui as mãos mais quentes que já toquei. Certa noite, perdido entre uma e outra escadaria do anfiteatro, ele regurgitou-me umas verdades que até hoje eu penso. A mais séria delas é sobre o despejo das noites, que em teias frias e parcamente táteis, rastejam seus cucos e afiadas lâminas á cortar sonhos e esperanças, num caminhar cíclico e determinado. O mistério da morte é um senhor grisalho, muito bem afeiçoado, que guarda no sorriso todas as distâncias e alquimias. Numa outra madrugada ele me chegou enrolado em um lençol branco e sorrindo me disse: Bom dia menina!
Nesta madrugada eu estava pisando em cacos de vidro, e na boca jazia o sangue das uvas amanhecidas no dia anterior, então, não pude responder a ele, ele, educadamente, observou minha angustia e deflagrou mais um riso dizendo: os olhos falam mais que a boca, podes exercer teu direito sem agonias. Quando o mistério da morte vem ter comigo, em noites como hoje, sinto-me muito grata por poder não dizer nada, e neste silêncio que me tortura saber-me lida em cada piscar, ou nos instantes em que abandono os meus olhos no vento á olhar para dentro. Não há estrelas nesta noite, e aqui dentro a lua dorme. Não saberia dizer nada hoje, uma montanha espreguiça-se na minha garganta, e os vãos do mar que vive em mim estão abertos, de lá só sopra maresia e sal, se eu não tomar cuidado, posso facilmente virar calmaria e soltar as ondas, mas o mistério da morte está em paz, sentado aqui do meu lado lendo Leminski e nem notou a pequenina lágrima que rolou agora. Melhor eu o deixar quieto e quem sabe esta quietude e silêncio me faça ouvir ao longe, nem que seja um único suave som de abraço. Perdido entre um ou outro telhado, desta vila praiana, donde sou ao mesmo tempo, prisioneira e o mais livre dos grãos de areia.
Márcia Poesia de Sá.
E o tempo cala-se.

Sombrios são os instantes por onde percorrem as aspas,
os espaços que silenciam o intermédio das frases.
E este tempo que não para de girar...

Sombrios são os estreitos pensamentos
rodopiando incessantemente os momentos
fazendo raios virarem trovões
E este tempo que não para de girar...
Sombrio é o frio que em meu peito prolifera
levando as folhas de outono, apagando verões,
girando todas as esferas, gerando tantos sertões.
E este tempo que qual conta gotas, pinga!

Sombrio e silencioso é o suspiro
este sussurro mudo e esquelético
que caminha de lá para cá no abismo profundo
de uma cor que nunca ninguém viu.
E este tempo que morre á cada dia.

Sombrio demais é a certeza, que sentada na varanda
cruza as pernas, sorri o mais cruel sorriso e enlaça
os nós que de tão sós fazem-se manto.

E o tempo, agora frio e morno
cobre o dia de um abandono absorto
na letargia de um sonho quebrado
esfacelado em lâminas do acaso
por onde os trilhos perderam-se nas nuvens
E o tempo cala-se.

Sombrios são os veios por onde agora escorrem os versos
que jamais ousei escrever, e que hoje borbulham silentes
como lava quente, de um vulcão extinto

E este tempo que tão objetivo
resvalou nas estrelas, e amalgamou meu sorriso
neste plácido lago de gotas transparentes
que o vento frágil, ainda insiste em secar.

Márcia Poesia de Sá - Dez 2014.
Cacos de vidro.


Vou
desconstruir-me
e
reconstruir-me
tão infinitas vezes
até que um dia
seja absolutamente
impossível
me reconhecer...
E compreender-me será, como já é...
inconcebível.

Márcia Poesia de Sá.