terça-feira, 30 de novembro de 2010


Meus cárceres

Venho de tantas eras idas, montanhas inundadas de mar e resquícios de outras civilizações. E entre um gole e outro de insônia, entre sonhos e pesadelos cato papeis em rolos de papiros que contavam histórias. Reconheço-me na imagem daquela antiga espada e vejo meus pés iluminados por fogueiras. Sujos de carvão e muita poeira de antigas fugas, fugia de algumas coisas das quais eu jamais engoli e mesmo caída entre matos que recobriam os desertos, ainda escutava o trotar dos negros animais de crinas longas...
Vestidos arrastam-se pelos chãos de pedra e areia, homens bárbaros riam seus risos, e havia um forte cheiro de carne assando por entre os veios nus das terras, animais amarrados e soltos e um céu repleto de águias amigas.
Já ouvi certa vez, ao beijar a boca da insônia, numa linda noite de lua cheia, um som estranho de um instrumento de cordas, apenas vi as mãos que o tocavam, mãos morenas de alguém que o dedilhava com muita delicadeza e o som chorava uma saudade incerta. E vi próximo a ele ou nele, não tenho certeza, algo azul, parecia um tecido a voar.
Perfumes exóticos tomavam-me os pulmões eu era daquele lugar. Sentia que minha alma ali, era pura essência. E sentada na areia meu peito pulsava gritos febris e silêncios abissais.
Eu esperava alguém, e este alguém não tinha sexo nem face, cara nem rito, não corria em suas veias o sangue daquele clã e a ignorância gigantesca dos ditos mestres o queriam morto.
Minhas angustias voavam ao som daquela musica e eu me permitia adormecer, abraçada apenas ao vento frio do deserto.
Até hoje reconheço aquelas rochas que por poucas para não dizer raras horas, me serviam de travesseiro. E em outras tantas noites eu via outras viagens. Não sei de onde vem essas lembranças, eu jamais soube, mas são reais ao ponto de me fazerem chorar.
Frio, gelo, desolação. Um mar azul que espancava as rochas, e o som de gaivotas solitárias, Escócia, talvez...não sei ao certo.
Sons ecoavam em minha mente presa aquelas paredes frias e cinzentas. Ouço alto, o tilintar de taças, risos exagerados e graves, alguns gritos, me parece que faziam amor com a vida! ou a matam de prazeres sórdidos! e eram amantes da morte, não temiam a lâmina, nem o derramar do sangue, e tinham certamente nos olhos, assim como eu, algo de eternidade!
...eu fazia parte daquilo, como se assistisse a um filme.
É, nessas noites de lua cheia, quando ouso silenciar e ouvir o vento frio que se alastra lá fora, cortando os mesmos arcos como corta os anos, usando a mesma força, certamente ouço uivos de um passado abrasador.
Dor, força, abandono e amor, nas mesmas teias e veias de minha memória longínqua Então, revestida de mais calma hoje, por saber-me mais profunda que o mar, que por sinal, ainda bate sem parar nas minhas rochas de vida, é que em alguns dias escrevo histórias e noutros apenas as assisto, sendo eu também uma das expectadoras de mim.



Márcia Poesia de Sá - 2010

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