terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Gotejar

Aqui pensando no que vem após cada linha, bem, melhor dizer que isto não é bem um pensamento, se eu pudesse descrever em palavra usando imagens, o que faço agora é assim: saio de pés descalços pela areia de meu sentir e abro as portas, só isso: apenas abro...Neste instante uma brisa vem lá de algum lugar que não sei identificar e vem trazendo coisas que creio eu, queiram sair. Fico assim como expectadora de tudo, e confesso que uma certa curiosidade me toma também, junto a esta sensação de curiosidade vem uma sensação de esvaziamento, um misto de alivio e expiração de alma. Acho que é isso. Me vem a mente outras sensações, como aquele instante em que você sente um abraço de alguém que ama muito, sabem do que falo, aquele instante em que nos sentimos mais que corpo, mais que esta ínfima vida de menos de cem anos, e mais, a eternidade de uma estada em nós, que se multiplica nas outras criaturas com quem convivemos aqui, neste curto espaço de tempo. Uma plenitude sem sombra de duvida vem conversar comigo e ela fala mansinho, terna e pausadamente, parece que precisa me fazer entender alguma coisa, eu, de pé ao lado da porta, apenas sinto o que passa, olhos fechados, alma escancarada e um silêncio que mais parece ninar ternamente as palavras que agora, como um riacho doce, escorrem de mim.
Hoje queria adivinhar uma caverna, é, eu queria sim! adoraria ler e reler o que escrevem as estalagmites. Sentir profundamente o instante da primeira gota petrificada, da segunda, e de todas elas assim enfileiradas até a última gotinha que antes de ontem se agarrou a rocha e ali permaneceu e permanecerá para sempre. Quem sabe, fazer um exame atento ao que ficou e sempre fica, guardado dentro e esperar que de algum lugar na caverna eu possa ser só um filete de raio de sol, uma luz plácida e tranquila que de alguma forma tenha a permissão de entrar e apenas toca-la de mansinho e ficar ali, quietinha, observando e aquecendo com carinho. Cavernas são seres muito intrigantes, são silenciosos, absurdamente profundos e difíceis de decifrar, em alguns momentos se mostram abertos mas deixam sempre aquela sensação um tanto parecida com um frisson, de que a qualquer momento elas vão simplesmente fecharem-se como concha de mar que guarda pérolas negras.
Então, eu, ínfimo filete de luz, preciso ir com calma, preciso adoçar tanto o meu olhar a ponto de jamais ferir-lhe a tez de pedra, caso contrário perco por completo minha passagem para o paraíso de veios e gotículas, de reflexos e escuridões, de abraços calmos e de revoadas dos sonhos que sempre passam por lá, é sim queridos, as cavernas sonham sabiam?
Numa certa manhã, ainda muito cedo, quando estiquei-me do sol até a pequena fenda na rocha, que coberta por musgos e folhas finas de capim, quase não é vista, adentrei muito suavemente seu interior como um primeiro beijo, e então, eu a surpreendi sonhando.
Sua respiração estava mais calma, e ela guardava na face uma docilidade encantadora que contrastava e em muito com sua habitual face de rocha, austera e repleta de segredos abissais. Nesta manhã cujo dia parecia estar se espreguiçando ainda, a caverna sonhava com areias brancas, daquelas que jamais havia visto de verdade a não ser em seus sonhos, ela sonhava com a doçura de voos que jamais fizera, logo ela, incrustada em suas eternas esperas, e lentas gotas de formatação rochosa, como poderia sonhar com voo, sol e vento? pensava ela no próprio sonho, mas ainda assim por pequenos instantes que fossem ela se permitia se abandonar no colo do sonho e esquecia tudo. Ficava morna e aproveitava seu sonho com um sorriso na face, ela estava em paz naquele instante eu vi. Ah pobre caverna, eu a amava tanto, eu via em suas paredes aparentemente frias e úmidas, o calor de toda uma sedimentação de coisas, eu podia ver por entre seus olhos aparentemente gélidos todo o sonho contido nela e seus silêncios as vezes me pareciam suspiros cansados mas cheios de vida. Em minha forma de fio de luz eu a atravesso quando ela não se espessa para mim, então me é fácil ver suas entranhas e ha tanto colorido guardado em seus marrons, negros e cinzas, que nesta manhã eu juro que queria ser mais que a luz, queria possuir algum dom mais especial que só ilumina-la por dentro! ah...eu queria tanto poder abraça-la por completo, aninha-la em meus braços e carrega-la para longe, quem sabe eu pudesse leva-la deste mar de verdes escurecidos para um mar azul e transparente, ela poderia continuar com sua essência de caverna pois assim ela é e sempre será e deverá ser, mas eu queria deixa-la numa ilha, ou numa praia bonita e parcialmente deserta, donde ela pudesse sentir a maresia, ouvir os sons dos pássaros marinhos e assim de relance, de repente sei que a veria sorrir ao olhar o mar. Quem sabe suas esperas nestes dias fossem mais curtas e mais alegres, mas eu, ínfima luz apenas, só sonho...sonho e planto sonhos já que meu calor faz florescer vida onde aparente não poderia haver, sonho como sonha a caverna, como sonham os poetas do passado, como sonham as libélulas e as rosas que de tempos em tempos exalam e fenecem mesmo sem fenecer. Contudo, e ainda assim, sonham, e isto é bom.

_ Ouves o som das ondas caverna?

Ouso falar-lhe em pensamento meu, minha voz macia a penetra a pele áspera em uns pontos e tão nova em outros, e aqueço sua alma como carinho. Quero que sinta o quanto sou sua amiga e a amo. Ela, ainda sonhando, apenas balança a cabeça e esboça um riso manso que finaliza num suspiro longo de quem entende do que estou falando. Quão sábias são as cavernas! definitivamente são.

Márcia Poesia de Sá - 2014.

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