quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O penhasco

Era manhã de uma quinta feira comum, de um mês sem feriados e de um ano sem qualquer alarde de festa, nada de importante mesmo! que ele se sentava na mureta da manhã e observava um desfiladeiro. O vento da manhã era insistente e tocava violinos numa cadência abstrata e dolorosa. Na alma ensanguentada, ele já nada sentia além da brisa fria que lhe cortava todos os outros sentimentos como um picadinho de carne mole. Quiçá existisse ali por perto uma matilha de lobos famintos, ah esta sim! seria uma morte digna para um ser em frangalhos como ele, mas não havia lobos, nem raposas e nem mesmo aves agourentas como os urubus.Era só ele, o som que ecoava em sua mente, o vento, a dor e o desfiladeiro.
Energúmeno que era ousou acreditar em utopias, e por longos anos, a sua incauta crença o fez construir verdadeiros monumentos sem observa-lhes as estruturas do solo no qual construía, e sua indefectível sorte o levou ao mais fingido dos mangues, onde uma fina camada de areia de praia e alguns capins frágeis e finos lhes davam um ar de porto seguro. Tão inseguro como as terras onde os terremotos fazem lar e de onde os olhos puxados morrem e renascem incessantemente! Mas nem isto ele teve sorte! não era como eles oriental, era um latino idiota, cheio de paixões e medos, repleto de contos de fadas onde tudo termina sempre lindamente no final e depois do desmoronamento só lhe restou isso mesmo: Um amontoado de folhas escritas de tantas coisas que já não faziam mais sentido nenhum.
Então, absolutamente desorientado, juntou suas folhas inúteis, um fósforo, duas garrafas de vinho tinto e encaminhou-se ao desfiladeiro. Lá o céu nem o notara, ele era tão ínfimo quanto se sentia naquele instante, quase tão pequeno quanto o grão de areia de uma imensa duna, ou uma bactéria qualquer em cujo corpo devidamente vacinado, espera a morte ha qualquer momento. Ele e seu vazio incalculável era só o que lhe restava naquela manhã.
Deixou-se ficar ali sentado, olhando as distâncias que o distanciavam de si mesmo, vendo aqui e acolá um pássaro que voava e trazia a sua memórias os outros tantos voos que fez e que da mesma forma sempre o levaram ao mais profundo chão de suas dores, tentava compreender sua sina, culpava-se ferrenhamente por sua inabilidade, por seu coração imbecil que insistia em acreditar em nuvens de gás, e explodia no peito todas as suas asneiras e facadas de ideias.
E o dia foi indo, e ele foi indo, e tudo foi indo, num embora sem fim, quando o frio começou a doer-lhe os ossos. Sua mente já não lhe servia de mais nada, era só um lugar vazio. Mas ainda lhe restava aqueles poucos e dolorosos papeis de mentiras, ajuntou-as num canto onde o vento era ameno e acendeu sua primeira página, dela escorreu um amor insano num caldo rubro e beirando o violento, que o fez estagnar a lágrima que quase caia nesta hora, olhou-o apenas escorrer enquanto ele agarrava em chamas todas as outras páginas, sentou-se então como um Buda em sua frente e sentindo o calor, ultimo calor ao qual se permitiria pelo resto da sua vida, viu ali virarem cinzas suas hipocrisias, seus desejos, doces lampejos e sonhos idiotas. E assim a noite o abraçou, quando as chamas finalmente apagaram-se.
A noite era uma noite escura sem estrelas no céu, nuvens de uma torrencial chuva se avizinhavam, e uma lua com o rosto branco e irônico o fitava com desdém.
Deitou no chão, como se assim pudesse só ser o que já se sentia internamente, apenas um caminho abandonado por onde não passa mais nada e nem ninguém, fitou o céu por horas e horas a fio, na mente nada, no peito dor, mas mãos só suas próprias mãos que entrelaçadas no peito até pareciam rezar, mas nem isto! ele não acreditava em Deuses, e nem em anjos, e nem em mais nada que o pudesse adoçar sua letargia amarga e visceral. Ficou ali por toda uma eternidade, ninguém o encontrou e nem a seus ossos que simplesmente ficaram jogados na areia quando suas roupas foram dilaceradas pelo sol e chuva do tempo. Morreu enfim, como viveu, plantado num penhasco olhando um céu inexistente e digerindo as mais profundas dores que só um sonhador é capaz de sentir.

Márcia Poesia de Sá - 2014.

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