segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Meus cárceres

Venho de tantas eras idas, montanhas inundadas de mar e resquícios de outras civilizações. E entre um gole e outro de insônia, entre sonhos e pesadelos cato papeis em rolos de papiros que contavam histórias. Reconheço-me na imagem daquela antiga espada e vejo meus pés iluminados por fogueiras. Sujos de carvão e muita poeira de antigas fugas, fugia de algumas coisas das quais eu jamais engoli e mesmo caída entre matos que recobriam os desertos, ainda escutava o trotar dos negros animais de crinas longas. Vestidos arrastam-se pelos chãos de pedra e areia, homens bárbaros riam seus risos, e havia um forte cheiro de carne assando por entre os veios nus das terras, animais amarrados e soltos e um céu repleto de águias amigas.
Já ouvi certa vez, ao beijar a boca da insônia, numa linda noite de lua cheia, um som estranho de um instrumento de cordas, apenas vi as mãos que o tocavam, mãos morenas de alguém que o dedilhava com muita delicadeza e o som chorava uma saudade incerta. E vi próximo a ele ou nele, não tenho certeza, algo azul, parecia um tecido a voar. Perfumes exóticos tomavam-me os pulmões eu era daquele lugar. Sentia que minha alma ali, era pura essência. E sentada na areia meu peito pulsava gritos febris e silêncios abissais. Eu esperava alguém, e este alguém não tinha sexo nem face, cara nem rito, não corria em suas veias o sangue daquele clã e a ignorância gigantesca dos ditos mestres o queriam morto.
Minhas angustias voavam ao som daquela musica e eu me permitia adormecer, abraçada apenas ao vento frio do deserto.
Até hoje reconheço aquelas rochas que por poucas, para não dizer raras horas, me serviam de travesseiro. E em outras tantas noites, eu via e vivia outras viagens. Não sei de onde vem essas lembranças, eu jamais soube, e me acompanham a tantos anos, mas são reais ao ponto de me fazerem chorar ou voar como raramente o faço. Frio, gelo, desolação. Um mar azul que espancava as rochas, e o som de gaivotas solitárias, Escócia, talvez...Oriente médio, não sei ao certo. Sons ecoavam em minha mente presa aquelas paredes frias e cinzentas. Ouço alto, o tilintar de taças, risos exagerados e graves, alguns gritos, me parece que faziam amor com a vida! ou a matam de prazeres sórdidos! e eram amantes da morte, não temiam a lâmina, nem o derramar do sangue, e tinham certamente nos olhos, assim como eu, algo de eternidade! eu fazia parte daquilo, como se assistisse a um filme. É, nessas noites de lua cheia, quando ouso silenciar e ouvir o vento frio que se alastra lá fora, cortando os mesmos arcos como corta os anos, usando a mesma força, certamente ouço uivos de um passado abrasador.
Dor, força, abandono e amor, nas mesmas teias e veias de minha memória longínqua Então, revestida de mais calma hoje, por saber-me mais profunda que o mar, que por sinal, ainda bate sem parar nas minhas rochas de vida, é que em alguns dias escrevo histórias e noutros apenas as assisto, sendo eu também uma das expectadoras de mim e de um todo que já me pertenceu, e o tempo passa como passa o vento dum deserto.

Márcia Poesia de Sá - 2010

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