terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Sonhos reais.

Apalpo a garganta do tempo e posso ver que está tenso, nos ombros carrega os acenos das cruzes que ao seu corpo amarraram, uma rua onde tudo é partida já me chegou apressada e gritando pede-me fica! como uma louca alucinada. Nas mãos eu carrego já as malas, está tudo errado e eu sei, mas não ha caminhos possíveis para apenas ficar. Minha casa está em chamas, mais nada tenho para levar, portanto sigo sozinha com olhos de poeira e saudade.
A rua então se conforma, e em curva se transforma para que eu possa seguir, e eu sigo até o final da curva, onde um abismo azul me aguarda, tão alta a queda pode ser, contudo já não temo nem céu nem jaulas, na verdade nada temo, minha alma já é voo neste instante e então salto! salto e tudo me é leve, nada levo, nada mais, até a mala voou, e os livros que ela guardava batem asas ao meu lado, e entre folhas e parágrafos vamos chegando ao chão.
Agora, na areia pousada, sou eu e eles como ilhas, desta praia branca e linda, onde moram só jangadas. Lá longe mora o silêncio, vizinho da ventania, á frente mora o oceano que vem nos beijar todos os dias. Ontem quando sonhei com extremos, e até acreditei em absurdos, nem imaginava as curvas do tempo, e nem a liberdade dos nebulosos obscuros.
- Silêncio poeta! Silêncio! ouça o que vento diz...
- ...
Após adormecer na choupana da esquina, a vida acorda sorrindo no canto da face, um riso que em si carrega tanta verdade, uns vermes que ela tranquila já aprendeu a matar, e então a vida usa as suas ínfimas certezas, tão frágeis como ovo de passarinho, só para exilar toda e qualquer clausura donde o medo desprezível, seja um ser ativo ou invisível inimigo.
Gosto de minhas fraquezas, conheço-as todas, uma a uma e não são poucas, mas aprendi com o tempo e com aquela estrada em curvas, que as coragens não são burras, e possíveis de alimentar. Aprendi que sei amar, que entendo muito de abraço, que compreensão e ternura constroem castelos e juro que sei muitas coisas que o silêncio jamais ousou cochichar.
Neste instante o tempo dorme, e em sua garganta deglute o tardar como se doce fosse. Uma morna noite de lua cheia, onde o mar se faz calmo e prata, e é lá que ele dorme na areia branca deste luar. Os homens carregam cruzes demais, temem demais, e os anos apenas, para alguns, vão passando e somam ostras a sua tez qual navio abandonado, vão cobrindo a maceis de suas peles com ásperas nebulosas dúvidas, ha de se crer no novo, e dar-lhe um crédito que seja, nem que seja por uma única vez, quero sentir o navio voltando a tona, sentindo os raios de sol que por ora lhe chegam frios lá na profundidade deste mar onde ele se pune e se abandona, e espero, face espero e espero que esta aparição lhe seja tão doce beirando os lábios sorridentes dos sonhos, que ele transforme em permanente o que lhe parece um mero improvável.
Dias se passam nesta cidade, meses já se foram, acho que dois e alguns dias, no meu peito algo que se agita, e tantos outros "algos" adormecem, trazem na face e no riso guardado numa expressão tranquila, que está tudo exatamente como deveria estar, igual aquela jangada antiga lá no final da praia, tão bonita, tão pensativa olhando seu amor maior, o mar. Por anos ela adentrou-o com fome de peixes e ondas e sorria alto enquanto ele lhe jogava ondas e unidos se amavam nas manhãs, e nas noites enquanto ela descansava na areia, ele lhe aconchega gostoso com seu olhar de posseiro e amante, ansioso por uma outra manhã, hoje ela aguarda um de seus troncos que lhe falta, perdeu-o numa única tempestade enquanto o mar ocupou-se de suas ilhas, a vela branca e sonolenta amarrada em seu mastro observa o vento e igual a jangada só sente saudade, mas é uma saudade terna, diferente, daquelas que aquecem o coração da gente, daquelas que a gente tão certamente sente que um dia irá matar. E enfim, é isso que agora vejo nesta tarde de sol ameno, dedilhando meu violão de poesia e cantando baixinho um poema musicado repleto deste amor que me invade, que faz de mim apenas verbo, na pele, nas mãos, nos olhos e nos aromas que por ti agora exalo, quando de meus olhos saem cachoeiras deste sonho que ha tanto embalo e guardo como uma joia preciosa que um dia eu sei, eu sinto...existirá.

Márcia Poesia de Sá - 2014

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