quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Um mundo (o amor)

De repente, ouve-se entre ecos que bradam roucos a terrível e assustadora frase, que se repetia de boca em boca e pelas ruelas, e nos bares se escutavam altos gritos de indignação e desespero, e por dentro das casas ecoava também, ainda mais tristes, o que parecia impossível, ao menos nos lares de verdade, contudo era real, todos e em todos os recantos ouviam: O amor morreu!! O amor morreu!!
Um furdunço sem tamanho, um destempero, alucinante, pura agonia...
- como assim se perguntavam? aturdidos, todos os seres.
Mas verdades são assim mesmo, quando chegam arrasam tudo! como um temporal num deserto. Aos poucos eles foram se sentando pelas calçadas, moças choravam baixinho e jogam pelas ruas cartas guardadas, pétalas secas de rosas que guardavam em si toda a magia d'algum momento, esvaziando caixas repletas de lembranças que hoje não faziam mais sentido, que junto a papéis de antigos bombons revoavam pela cidade.
Cavalheiros de todas as idades, olhavam-se como se numa busca frenética de alguém que os explicasse, e em qualquer que fosse o veio do pensamento, do que se tratara aquela insensatez, religiosos á se ajoelharem pelas ruas olhavam o céu, como se a espera de um milagre ou no ansioso aguardo da própria mão de Deus, abandonando o céu e vindo ao seu socorro, mas não, nada ocorria.
E o silêncio embalado a um cântico sutil, quase que beneditino de lágrimas a se avolumarem pelos chão, pelas faces e pelas vidas, foi ouvido duma maneira estridente.
A noite não tardou em chegar, trazia na face uma cara sacana e levemente irônica, com uma lua gigantescamente branca e felina, que nua no céu, clamava por seus adeptos.
Aos poucos, pessoas recomeçaram a viver, apesar disto. Bares enchiam-se de toda sorte de prazeres, casas eram repletas de gentes, e silenciosos vazios,além dos terríveis olhos que nunca se viam. Bocas garfavam ávidas, sabores rápidos nos micro-ondas que diminuem tudo,
que estupram o tempo do carinho, do cortar lento de maus pensamentos, que excluem o mexer da ternura, nas panelas que praticamente já não eram vistas
Extirpando olhos e narinas dos aromas e fumaças d'alguma magia, em face ao amontoado de plásticos reciclados que estes sim, proliferavam-se nos armários daqueles ambientes, que antes, guardavam tão ternamente, atenções e afetos.
Igrejas igualmente repletas de frases decoradas, ilusórias certezas, e desesperos velados.
Mostravam suas caras sorridentes e bocas cheias de dentes a mastigar feiosamente, ganâncias vis, e mentiras gordas que ecoavam gasguitas pelo mundo todo.
Filhos sem qualquer cueiro, apontavam flechas venenosas, a rasgar o ar da terra, como alucinados filmes do mais puro terror, rasgando úteros mentais de cujo interior haviam vindo, e calças sem qualquer cor azul, desbotavam-se á olho nu, escorrendo suas inutilidades e na fuga furiosa de mais um prazer, esbarravam de cara na lama do tempo.
Enquanto pseudo Deusas femininas, catavam latões e famintas de todo e qualquer resquício de natureza possível, abandonavam sorrindo pedaços de si, pedaços vazios, feitos em locais vazios, com companheiros vazios, de histórias vazias, na mais fria desolação que a humanidade jamais vira. E seguiam passo a á passo seu caminho em busca de mais uma prova do prazer insensato.
Coronéis qual pavões alimentavam suas próprias fúrias internas, de colos banidos, apontando o dedo melado de inveja, aos jovens que ainda meros expectadores de toda esta desgraça
caminhavam perdidos pelos dias sem graça, berrando ordens de guerras! e vitórias...
tão palpáveis e reais quanto o sangue azul dos Lordes.
Havia indubitavelmente um sopro quente vindo da célula mater. disto tudo.
O amor morreu...e era inevitável pensar nisto, a cada raiar e se pôr do sol, enquanto as múmias andantes e perfumadíssimas, em seus carrões de luxo, vomitavam sorrisos falsos, ou a puxar carroças, tentavam encontra-lo por todos os antigos becos daquela cidade ironicamente abarrotada de vazios.
A necessidade absoluta do ser humano em manter seus equívocos tão bem protegidos por rótulos aceitáveis, fez com que o tempo fosse dormir ao relento...
Certo dia e tantos séculos depois, ...
Um rapaz, afastou-se da cidade, carregando nas mãos uma sacola suja de terra e dentro dela, alguns pés já enraizados, em busca de um lugar mais escondido numa mata para plantar alguns pés de droga, droga esta nomeada de sonho, por ele, foi quando encontrou um belo recanto, onde havia um lago transparente d'agua muito fria, e sobre ele derramava quase como um choro branco uma imponente cachoeira a brilhar na escuridão opaca de todos os seus dias...
Extasiado, o rapaz chorou, jamais havia sentido aquilo e por pura vergonha, já que naquela época ser sensível era a mais rota das sepulturas, tenta esconder-se por traz do lençol d'agua que ora se mistura a sua lágrima infinda. Decide então entrar por trás da cachoeira na parte interna da rocha, sob um furioso som de queda, e recostado quase como miragem, um franzino corpo, deitado,inerte na fria rocha, olhos cerrados, magro como só a fome pode ser, cabelos esbranquiçados e ressequidos pelo abandono do tempo, pele repleta de cicatrizes e raras feridas ainda pouco sanguentas, parecia dormir.
Á principio o rapaz exaspera-se, pensa em rapidamente fugir dalí, já que ele nada tinha a ver com aquela desprezível visão da dor. Mas algo que ainda pulsava nele, pela tamanha emoção a qual havia sido tomado, o fez estacionar por um instante seus intentos e se deixou ali a observar aquele tragicômico corpo inerte.
A noite já vinha vindo galopando labaredas nas costas do sol, quando o rapaz resolveu falar com aquele ser obviamente tão frágil e solitário. Abaixou-se perto dele e ainda pode sentir, muito de leve, mas ainda assim, uma certa maciez em seus brancos cabelos caídos na pedra, sua respiração quase ínfima, apenas liberava um som de : pouco...
Com as mãos do rapaz a passearem por sua cabeça, com um real interesse de ajuda-lo, o pobre senhor foi destrancando seus olhos como se um sol ali pudesse estar raiando.
- O que faz aqui senhor, o sr, está bem? pergunta o rapaz agora, aliviado.
- Fujo, responde a voz rouca e extremamente fraca...
- Foge de que? mas quem ha de querer fazer mal a um senhor assim tão frágil, meu Deus?!
pergunta o aturdido rapaz ao olhar o teto da caverna apinhado de morcegos.
Mas ha um silêncio ainda mais aterrorizador que os mamíferos de cabeça para baixo que agora os espreitam. E ele continua, insistente...
- Senhor, por favor me responda...apenas queria poder avisar a alguém na cidade, quem sabe um familiar, só isso, não tema...
- Não tenho família meu filho, não tenho lar, nem filhos, nem pais, nem paz, nem nada. Ninguém mais acredita em mim, e até me fazem arruaça e piadas pelas ruas.
Da ultima vez que ousei sair daqui, apenas ouvi risos e cochichos maldosos, sem falar nas mentiras e até pedras que me cortaram a cabeça...arrancando-me a pele por dentro do corpo, deixe-me aqui, ficarei bem, siga seu caminho.
O rapaz sem saber o que fazer ou pensar decide ir, certo de que voltaria no outro dia para a plantação de seus sonhos, e para tentar rever aquele ancião.
Mas antes de sair, e numa ultima tentativa de contato, pergunta:
- Ao menos me diga seu nome, tentarei voltar amanhã...
- Meu nome? disse o homem com um riso triste na face.
Se eu te disser meu nome tu farás tão pouco caso de mim.
- Prometo que não senhor, diga-me...insiste,
- Meu nome...
e vagando os olhos pela caverna fria, num tom extremamente saudoso, fala:
é, meu nome costumava ser, Amor.


Márcia Poesia de Sá - 19.11.2013

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