quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Um nada

E as horas vão passando assim lentamente, numa lentidão tão maior que antes, as madrugadas parecem décadas completas, a balançarem ao sabor do vento. No momento, lá fora, chove, e o som da chuva na mata sempre me pareceu lindo, hoje não está. Como também não está linda aquela lua ali acima escondida entre uma nuvem e outra, não está lindo o prateado dançando nas folhas, nada está lindo, hoje nada está!

Nada está,vai ver seja por eu não estar! e definitivamente não estou...Sinto-me um eco, percorrendo a solidão da noite como uma ave perdida, sem direção, sem desejo de voar e mesmo assim no ar. Asas abrindo-se e movimentando-se apenas para não despencar, automaticamente. Eu não quero nada, não ha desejo, nem cheiro e nem tempero de vida, não ha beleza e nem rimas, não quero ler nada! nem ver nada, só me abandono nesta intrínseca falta de interesses, neste silêncio mentolado, que ao fim da noite amarga na língua e na garganta.

Não quero escrever! este texto está um lixo. Chato e cansativo, deprimente! as linhas não se fecham, os braços não enlaçam, o mundo está feio e sem sal. Acho que a poesia apodreceu, as rimas ficaram velhas e foram morrendo uma a uma nos asilos, igualmente vazios e mofados e cheios de infiltrações como a poesia. Nas ruas que a esta hora sem carros, matam de silêncio, atropelando visceralmente a madrugada não ha escolhas e nem semáforos.

Nas tabernas, nos goles engasgados morrem também os risos que se foram, os olhares que não olham e os que nada veem, morreu o padre daquela igreja, a única da região! e os fiéis apenas caminham perdidos pelas ladeiras sem fim, uns descem outros sobrem mas nenhum tem direção, nem sabem aonde vão, nem se querem ir.
Não sinto fome, não sinto frio, não sinto cansaço nenhum, nem nenhum arrependimento, não sei sorrir, não quero cigarros! nem fumaça, nem berço nem nada, eu não estou aqui. E a madrugada estagnada em si mesma não vai embora, o dia não vem, as estrelas não se apagam, porque?!

Não quero um banho quente, nem um café fresco, nem um pedaço de bolo, não quero amigos, não quero abraço eu não quero nada! Eu quero o nada! quero mesmo esta reticência que me devora a alma, em mordidas precisas a dilacerar meu sonho como se fosse uma fera esfomeada e de dentes tão afiados quanto a lâmina da foice que carrega aquele ser vestido de negro, cujo alguns descrevem como a morte. Não sinto dor, ao menos a dor pulsa, ou fura ou contrai enfim a dor seria alguma coisa! queria sentir a dor...ao menos ela quem sabe pudesse mover algo, latejasse vida mas não, não sinto dor, não sinto arrepios, e nem vontade de chorar. Chorar o que?! não ha lágrimas, e nem águas, não ha tristezas, não ha lembranças, não ha saudades e nem músicas, não ha som! e nem sei se ha silêncio.

As cidades de mim de repente desertificaram-se, não ha um só personagem, não ha voz, não ha diálogo nenhum a ser escrito, não ha vidas dentro de mim, meu Deus! não ha mais nada, nada, nada enfim. Minha imaginação, minha sensibilidade derreteram e escorreram pela ribanceira da mata, numa corredeira calma de quem jamais vai voltar, não houve despedida, não ouve promessas, nem olhares tristes não houve nada como não ha nada e nada haverá a partir do hoje! mas como? se não ha um hoje! não houve ontem e não haverá amanhã. Não ha um mês, nem dois meses e nem três, não ha ano passando, nem mar nem rio, nem casa nem ar! sufoco.

Sufoco neste imenso oco, como um vácuo, inócuo, inoperante, inexistente, algo que subtraiu-se completamente, exauriu, desintegrou-se numa completude inimaginável e desapareceu.
Sem deixar qualquer ínfimo sinal de ter existido um dia. O eu não existe! Eu não existo! nunca existi, eu não nasci, não fui gerada, não chorei, não sorri, não dei e nem recebi carinhos, eu não tenho história, nem memória, eu simplesmente sou duas letras perdidas numa frase insensata, incorreta e que jamais foi dita, nem escrita, jamais lida e nem sonhada sequer.

Uma piada sem graça, um livro de paginas brancas a queimar sozinho em qualquer lugar distante, muito distante, distante demais!, devo ser um lápis sem grafite, um vidro vazio de perfume, uma casa que desmoronou, ah! e este silêncio donde vem?! rasgando minhas vísceras em mil pedaços, e no entanto nada sangra! nada dói, nada existe!

Na vitrola o disco emperrou, a energia se foi, o mundo explodiu e o cometa não passa nunca mais. Os aços que antes construíram em trilhas, da linhas da ferrovia, enferrujam! mancham o chão, de um cobre fétido e liquefeito como um choro inútil, ninguém vê, não ha o que ver, não ha absolutamente nada. Só um eco louco e oco que se alastra incessante! nada mais.

Márcia Poesia de Sá -29.01.2014

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