segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Noturno

É, é assim: o poeta é acordado pelo som do trovão que lá fora ecoa, e numa gélida tempestade de granizo é jogado. Não ha agasalho possível e sua pele arde e avermelha-se, na garganta uma dor lancinante da verdade eclode e um amargor avoluma-se como um tumor incurável. Certa inquietação o toma, uma angustia inequívoca, na verdade, ele não precisa nomear suas dores, ele apenas as abre, como se usasse um bisturi e as olha dentro dos olhos, gosta de sentir as entranhas. É, é mais ou menos assim. Ouço um violino que ao longe toca Serenade de Schubert e me é inevitável partir no clarão da lua que sequer imagino aonde vai me levar. Mas a canção entoa esta minha tristeza, e me deixando ir apenas vou! e mergulho nela como se ela fosse um lago cristalino na encosta de uma das tantas montanhas de mim. Provavelmente hoje sou cordilheira, ha duas ou três luas já nem sei, ando a cavar areias tentando fazer castelos a beira mar, mas as ondas andam raivosas, e sempre me mostram a que vieram, danificando irremediavelmente meus tantos esforços de findar a obra. É só um castelo de areia poetisa! tu me dirás, mas isto não me faz sentido algum, para mim todo castelo mesmo de areia, tem em si um encanto que merece ser visto e revisto, cuidado e olhado com a ternura que só a arte pode ter. E é só e unicamente por isto que ainda insisto!
Os granizos agora falam alemão e parecem mais ríspidos que antes, sinto frio! um frio tão intenso que chego a imaginar que meu peito congela. Terrível imaginar as veias, as artérias petrificando-se a olhos nus. O que eu posso fazer? nada passa de morno em minha mente, lá em cima da encosta vejo apenas galhos secos de um inverno furioso, e as lembranças neste instante começam a esmaecer. Minha memória é completamente tomada pelo branco, e de alguma forma imagino que isto não é apenas neve. Ha um adeus tão nítido ecoando na minha alma que apenas desejaria desaparecer. Do clarão que caia da lua como um fio pouco resta agora, o negro da noite me abraça de vez, e as poucas estrelas despencam do céu uma a uma, como as lágrimas que eu adoraria que existissem, quem sabe elas pudessem aliviar a tensão de meu peito, mas elas não vem, assim como não vem a manhã e nem o sol, e nem um sonho sequer. Tudo vira escuridão, congelo enfim e isto dói, dói muito! Mas a alma poeta tem algo engraçado, ela consegue se ausentar enquanto escreve e vai ver é por isto que escrevem, para sanar esta dor que ao menos nestes instantes dão uma pausa, e apenas observa o texto nascendo calmo como gotas de orvalho a evaporar. No momento um Noturno de Chopin incia calmo pelas encostas da negra noite e creio eu, ser dedilhado em um antigo piano jogado lá do Olimpo por Zeus em uma de suas noites de bebedeira, na qual ele mais uma vez enfurece-se por quase nada. Quem o toca não posso ver ainda, em meus olhos uma nebrina se forma, este fog que me amaldiçoa e me remete mais uma vez ao gelo no qual agora me encontro. O som até que me acalma um pouco, é mais fácil morrer ouvindo Chopin! Ah! e em um momento de doce desespero rogo aos anjos que me tirem deste pesadelo, não está bom! e de nada adianta, não vejo propósitos e nem lições, não compreendo minha alma neste instante, me acordem por favor!
Uma doce memoria vem descendo o penhasco agora, como sei? sei porque toda memória tem um brilho específico, e na negritude da minha alma neste instante só pode mesmo ser uma memória o que vem caminhando ali, esperem! ela parou...observo por entre a nebrina, e rezo, venha!
Não, ela não virá, ficou ali, ao longe, sentou, sentiu o vento frio, me olhou e adormeceu como se eu nem existisse. Bem, melhor então eu me cobrir com este manto azul marinho que me rodeia e me entregar placidamente a este frio, já não ha mais nada que eu possa fazer. Adeus.

Márcia Poesia de Sá - 2014

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