quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Quantas vezes mais, terei de sepultar-me?!

E qual a distância de dias entre uma morte e outra? Já não sei. Meus velórios tem me sido por demais enfadonhos, sempre a mesma música, o mesmo café requentado, e aquelas conversas das quais eu sempre adivinho o final. Dia desses um amigo até trouxe um vinho, foi mais divertido daquela vez, ao menos depois da quinta taça alguém no corredor perto do garrafão de água mineral, contou uma piada e eu sorri. Como também sorri da Dona Eulália que ao tentar disfarçar seu fogo, tropeçou no tapete da entrada e saiu catando coquinhos na frente de todos aqueles sentados e disfarçados de tristeza. Sorri ainda mais das caras de reprovação, ah essas hipocrisias me divertem!
E aquele cidadão que trabalha no cemitério e carrega as garrafas de café para aqui e acolá a noite toda? coitado dele, passa todas as suas noites a observar rostos chorosos, vai ver por isso ele sempre fala sobre o tempo, hoje cedo ele dizia da chuva na noite passada que carregou os telhados da igreja da pracinha, e falou que o Padre Inácio saiu correndo lá de dentro de cueca de bolinhas azuis e brancas.
Pensei comigo, onde estava este senhor, para ver esta cena, ai que vontade de perguntar! mas acho que se eu falar com ele, ele enfarta coitado. Melhor eu só ficar escutando.
Maria Helena desta vez veio com outro vestido, eu já estava enjoado de vê-la sempre de preto com aquele decote irreal, e o coque feito com um palitinho japonês. Hoje ela veio de branco, vai ver cansou de tantas mortes minhas. E decidiu comemorar o ano novo de novo.
Meus filhos não chegaram ainda e já já serei enterrado, neste instante me arrependo de não ter pago a cremação. Maldita pirangagem que em nada me socorre nessas horas em que vejo que nada sou além deste decrépto corpo que morre e revive toda noite.
Uma piada contada por alguém sem humor. E lá vem novamente aquele cara da floricultura trazendo uns arranjos desarranjados, preferia que me jogassem livros na tumba! ao menos eu teria o que fazer esta noite..
- Atchin! ara! odeio cravos!!! que florzinha chata, feia e fedorenta! nossa senhora! joguem-me rosas cambada!
Acho sim que eu merecia rosas! plantei tantas rosas nesta vida! e agora só colho essa droga de velório insípido. Sabe? acho que queria era uma festa, todos bebendo e comendo porcarias, as mesmas que me mataram, queria era ver estralas, e ouvir música e brechar quietinho os casais que dançariam a noite toda entre mãos, beijos e risos.
Na manhã, quando a ressaca os abraçasse eu sorriria muito do canto do bem-te- vi que lhes doeria o cérebro. E ainda assim não seria hora de levantar, eu só levanto da morte depois de meio dia. Um dia ainda falo com os cara lá de cima sobre isso, já está bom de parar com esta palhaçada de me matar e me reviver. Quero que decidam-se de uma vez por todas, essa vida de sobe e desce está me desgastando muito.
Além do que, nem só de mortes vive um homem. Ando carente de amanheceres mais ensolarados, e de noites menos mortas.

Márcia Poesia de Sá - 2014

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