O guardião do templo de Hades
Era composta de dois lados a lâmina quente de sua língua, bifurcada e hábil, tão porosa e dúbia quanto uma praia de rio, ambos os lados bailavam por entre seus dentes amaldiçoadamente afiados enquanto ele deglutia inverdades, no entanto, mantinha em seu âmago um carrasco a julgar tudo que entrava em sua mente.
Um ser avassaladoramente descrente, que raspava a cara dos iguais até encontrar-lhes as mais profundas e verídicas nervuras, isso o excitava sobre maneira! era pois, ele, um exímio escultor de seres! um pintor de vísceras e um mastigador de letras raramente ditas! Ele adorava talhar madeira virgem, usando toda a competência absorvida por seus milhões de anos, e pelo faro invencível do clã dos velhos lobos de outrora.
Pisava macio como os gatos e como eles, escondia bravamente garras infindas! era a visão do sorriso mais encantador das esferas universais, mas guardava entre os dentes, outros dentes...
Um dia, numa manhã onde o sol se fez mais feroz, ele fareja ao longe o cheiro de sangue novo e se eriça, permitindo aos seus pelos irem de encontro ao contrario de sí próprio. Mal sabia ele, que ali residia uma fera nada benigna, embora com pelos brancos como uma inocente ovelha. No olhar, carregava um mar morno, e um imenso corredor na alma, de tantos caminhos e portas, idas e voltas, voos e pousos rasante.
Após cravarem os olhos um no outro, como presas afiadas, suas almas adentram e se perdem lentamente, num balé quase hipnótico. E enquanto isso, tudo no universo de Hades começa a se modificar e ele, o guardião, se perde da paleta da escuridão, da qual já sentia-se impregnado, tranquilo e acomodado de tantos nadas. Ilusoriamente confuso, ele se entrega. E a ela só cabe, lamber-lhe as feridas. Farejar seus anseios, usurpar cada um, e um á um de todos os seus medos, mantendo-o de pé, como jamais deveria ter deixado de ser, mostrando a ele o caminho do porvir.
Aparentemente frágil, ela carrega em si todas as muralhas, e os sons de todas as batalhas, que por hora em sua mente, até parecem silenciar, num misto de mulher guerreira, fêmea e fera. Se olham notadamente temerosos, contudo, se lambem como felinos e indubitavelmente se desejam além das entranhas. As posições entre caça e caçador são trocadas entre eles, nas noites onde até o inferno queima invejoso. Em breves momentos o guardião se faz invisível e vasculha seus internos pormenores, na ânsia de compreender o que está acontecendo com as geleiras de sua alma atordoada. Nestes momentos ela é a única que consegue vê-lo já que para ela, ele é algo por demais visceral e interno, ela o sente pulsar, esbravejar, angustiar-se ou até mesmo sorrir ou suspirar, e o sente profundamente em sua mente e ventre, como uma pseudo gestação alucinada.
O guardião dos reinos do inferno, por fim, sucumbe ao pior e mais tenebroso sentimento ao qual ele jamais compreendera: o amor. Os habitantes dos outros mundos jamais compreenderam ou compreenderão o que havia ali e hipnotizados pelas estonteantes labaredas, apenas observavam atônitos até o dia, quando ambos com um sorriso de eternidade nas faces, deitaram-se de mãos dadas na macia e ardente cama de Thanatos e dali, partiram para a eternidade da linha! Já que aos anjos banidos não é permitido um simples paraíso, que certamente a eles também não agradaria mais que o calor das negras chamas.
Bem, no mais, ecoou pelos labirintos do reino de Hades, apenas os sons das gargalhadas de Fântaso que abraçado ao seu pai, também observa mais esta tirania do destino.
Márcia Poesia de Sá - Dez - 2013.
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